#RLL - Do desassossego que é viver

>> terça-feira, 16 de outubro de 2012

Depois que terminei a dissertação, e enquanto ainda não a defendo, estou num hiato da vida. 
Me atormenta aquela pergunta: e agora? o que fazer? em pouco mais de um mês provavelmente serei mestre. E depois? Quero descansar - mas descansar como? Com o ócio vem a vontade de pensar, e com os pensamentos vem um cansaço da vida, uma preguiça do futuro, de ter que começar tudo de novo, fazer novas escolhas, novas renúncias, mais do mesmo... o mesmo que é nada...

Resolvi ler. (Ler e viajar são sempre a solução - mas fazer compras também ajuda!) Fernando Pessoa foi o escolhido - se é pra ficar deprimida, vamos ficar com estilo. 

Estou lendo o Livro do Desassossego, do heterônimo Bernardo Soares. O Livro é composto por uma série de fragmentos em prosa, escritos por esse guardador de livros solitário da imaginação de Pessoa.

Não poderia ter escolhido melhor obra - a cada frase que leio ouço reverberar o meu mais profundo sentimento de tédio e preguiça de viver - nada que flerte com o suicídio, é algo mais próximo de uma atitude bem marcada diante da vida: a de não vivê-la. Não vivê-la por não ver sentido em despender tanto esforço em algo tão passageiro e fútil - não vivê-la para passar os dias se ocupando do que é verdadeiramente real: nosso mundo interior de sonhos e sensações. 

Esse Pessoa fala diretamente pra Bruna de 13 anos que ainda mora aqui dentro - a que compartilhava a vida com um diário, e ninguém mais. Ler esse Pessoa metafísico é uma provocação: hoje eu estou longe de abdicar da vida, pelo contrário, quero vivê-la em plenitude,  com força e paixão, com o coração irracional e inconsciente: "O coração, se pudesse pensar, pararia. A inconsciência é o princípio da vida."
Se é assim, então porque me deixo cair nesses momentos de apatia e fuga pro eu que há dentro de mim?

Esse Pessoa me obriga a repudiá-lo, respondê-lo, contradizê-lo, mesmo que por alguns momentos eu desejasse somente que tivesse sido eu a que escreveu essas palavras de repúdio a qualquer forma de ação. 

Mas o fantástico da literatura é essa provocação - essa intimação a um posicionamento de cada leitor. Em muitas linhas quero me deixar levar pela vertigem desse sentimento do negar toda e qualquer verdade possível na existência. Como não se deixar seduzir pelas palavras do poeta?

O sonhador não é superior ao homem ativo porque o sonho seja superior à realidade. A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de ação. Em melhores e mais diretas palavras, o sonhador é que é o homem de ação.
Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.



Leio até o fim para me lembrar de que não, eu não sou dessas. Não mais. Escolhi me comprometer com a vida e com as pessoas a meu redor. E se isso quer dizer que eu vou ter, sim, que superar o tédio e a preguiça, e fazer planos, e tomar decisões, e fazer compromissos, e passar por aborrecimentos mil, que assim seja. Mas não agora. Para agir e realizar, preciso antes sonhar. E é isso que esse desassossegado e desassossegante livro tem me ensinado. A sonhar.

MANEIRA DE BEM SONHAR

- Adia tudo. Nunca se deve fazer hoje o que se pode deixar de fazer também amanhã! Nem mesmo é necessário que se faça qualquer coisa, amanhã ou hoje.
- Nunca penses no que vais fazer. Não o faça.
- Vive a tua vida. Não sejas vivido por ela. Na verdade e no erro, no gozo e no mal-estar, sê o teu próprio ser. Só poderás fazer isso sonhando, porque a tua vida real, a tua vida humana é aquela que não é tua, mas dos outros. Assim, substituirás o sonho à vida e cuidarás apenas em que sonhes com perfeição. Em todos os teus actos da vida real, desde o de nascer até ao de morrer, tu não ages: és agido; tu não viver: és vivido apenas.
Torna-te, para os outros uma esfinge absurda. Fecha-te, mas sem bater com a porta, na tua torre de marfim. E a tua torre de marfim és tu próprio. 
E se alguém te disser que isto é falto e absurdo não o acredites. Mas não acredites também no que eu te digo, porque se não deve acreditar em nada.
- Despreza tudo, mas de modo que o desprezar te não incomode. Não te julgues superior ao desprezares. A arte do desprezo nobre está nisso.

E então compreendo o porquê dessa apatia repentina. Não há razão para desespero: ela é passageira e necessária. Vou, então, escolher uma janela qualquer para olhar a imensidão do mundo - que ao mesmo tempo é tão insignificante; e aproveitar meu momento Bernardo Soares. E se ele não passar, alguém por favor me dê uns tapas e me mande fazer algum trabalho braçal pra esquecer da metafísica. 

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