Cine Clube Cult #4

>> terça-feira, 16 de julho de 2013

(Confira os posts sobre cinema anteriores aqui, aqui, aqui e aqui.)

Hoje falo sobre três documentários a que assisti no último mês e que despertaram meu interesse pra esse gênero não muito comercial e sem apelo no chamado grande público (aposto que você pode contar nos dedos a quantos documentários já assistiu, espontaneamente, no cinema - trechinho de documentário que por acaso tava passando na TV quando você ligou não vale!)


O primeiro deles é A ponte, de 2005. Durante um ano câmeras gravaram a movimentação na Golden Gate, em São Francisco, e registraram mais de 20 suicídios. Acompanhamos os movimentos de cada um: chegar na ponte, hesitar, ou decididamente atravessar as grades de segurança, depois se jogar - ou ser impedido, ou desistir. O documentário foi concebido de maneira que cada suicida virasse um personagem: os depoimentos de parentes e amigos de cada um dão contornos humanos ao corpo que assistimos cair. Assistimos e não podemos fazer nada para impedir. O documentarista registra, mas não interfere. Não aciona um alarme, não disca 911. 

A sensação de quem assiste não pode ser outra que não a de angústia. O suicídio é um tema que suscita questões existencialista no mais pueril dos homens: o que leva alguém a tirar a própria vida? eu tiraria a minha? o que me prende à vida? o que me impede de morrer? é covardia? é coragem? (ser ou não ser, eis a questão! existir ou não existir?). Os depoimentos de quem ficou também são angustiantes: eu poderia ter evitado! eu poderia ter ajudado! eu poderia ter impedido! eu não fiz o suficiente, não amei o suficiente, não me importei o suficiente, não... A vida interrompida deixa pra trás diálogos inacabados que o documentário tenta reconstituir.

Essa angústia também a encontramos em Elena, mas de forma diferente. Elena é leve, sutil, uma busca apaixonada que se alimenta de passado. Tudo no filme remete a essa leveza: o foco da câmera, a lindíssima trilha sonora, o balé de Elena, o balé de Petra, o fluir da água do rio... Tudo é leve como a existência que é até não ser mais.

Elena se recusa a ser medíocre naquilo que ama, naquilo que entende como vida: a arte. Elena se recusa a não ser capaz de realizar seu sonho. Petra, que também entende a arte como vida, usa a arte - em forma de documentário - pra estilizar, modelar, e entender sua busca pela irmã mais velha que agora é ausência.
Petra filma a ausência de Elena: Elena não está. Elena não mais é.
É um filme belo de amor e saudade, e que fala do poder transformador da arte - do que é ser artista, do que é entender o mundo pela arte, do que é fazer da arte o principal mediador entre o eu e o mundo.


O terceiro documentário é Dossiê Jango, que também é a história de uma ausência. Em Dossiê Jango o que se vê é um Brasil que poderia ter sido e não foi. A primeira metade do filme é uma pergunta: e se? E se Jango não tivesse sido deposto? E se o golpe não tivesse acontecido? E se Jango conseguisse fazer as reformas de base que propôs? E se...? Que Brasil seríamos? (Talvez a mãe de Elena pudesse ter sido atriz em vez de ter que se esconder da ditadura).

Nas cenas do documentário vemos um futuro que nos foi negado, roubado - deposto. Assassinado? A narrativa do documentário, que tem apoio da Fundação João Goulart , que se intitula "dossiê", reúne e organiza uma série de fatos que apontam para a comprovação de uma hipótese: João Goulart foi criminosamente eliminado por seus opositores. Se não consegue comprovar a hipótese, ao menos tem o êxito de fixar a hipótese como plausível: João Goulart pode ter sido assassinado. Há que se investigar.

Além disso, e, mais importante que isso, é o levantamento cuidadoso de uma época da nossa história que é sistematicamente silenciada, difusa: um retrato em sépia. Pra quem nasceu na democracia, como eu, o documentário preenche uma lacuna deixada pela escola que não soube - ou não quis - trabalhar com profundidade o que aconteceu na história dos presidentes entre JK e Color.

(No imaginário do jovem de 25 anos médio brasiliense figuram com destaque nomes como Getúlio Vargas e JK. Jânio Quadros e João Goulart são a mesma pessoa, um golpe aconteceu em 64, em 68 o AI-5 endureceu as coisas, nos anos 80 veio a redemocratização, Sarney foi o primeiro presidente civil em vinte anos, Color o primeiro eleito, depois FHC, Lula, Dilma e fim.)

Dossiê Jango tem um peso diferente de acordo com a geração que o assiste. Pra minha geração, fica o sentimento de que o país em que vivemos teve seu futuro roubado. De que para recuperarmos esse futuro, ou a possibilidade de tê-lo, gente lutou, resistiu, morreu.

E eu com isso?

Qual o meu lugar nessa história? Pelo que eu luto? A que forças resisto?

***

O gênero documentário utiliza arquivos de imagens, documentos reais, depoimentos e entrevistas autênticos, mas nem por isso deixa de ser estilizado. Há um argumento, uma direção, um fio narrativo que antecipa algumas conclusões do expectador, que indica trilhas de aparente dedução. Mas não é menos verdade por isso. Talvez, aliás, (e aqui roubo a frase a muita gente) só exista verdade na ficção.

O que tem me atraído nesses filmes, nesses três especificamente, é o grau de abertura para uma resposta - o expectador é muito mais livre para completar de sentido os fatos expostos nos documentários.
É um convite ao pensamento e à sensibilidade, a uma tomada de posição, à formação de opinião.

Aceito o convite, e o amplio a quem venha a ler esses breves comentários.

1 comentários:

Ray,  16 de julho de 2013 às 22:41  

Você assistiu Elena!!!! Queria muito!

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