Eu, Catequista

>> quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O próximo sábado, 31 de agosto, será meu último dia como catequista da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos, no Gama. Será minha primeira despedida.

***

A pequena Bruna foi batizada quando criança na igreja católica, por seus pais. Aprendeu em casa o pai nosso e ave maria, mas não recebeu uma criação religiosa específica. Desde muito nova, sentia que fazia parte de um mundo invisível, místico, mágico. Mal sabia, mas já ali recusava o materialismo terreno por uma noção mais ampla de transcendência. Na adolescência, veio a vontade de dar a essa transcendência forma e doutrina. E também de fazer da religião uma atividade de integração social, como acontecia com os seus amigos da época. 

Assim, eu participei de encontros, gincanas, cultos e todo tipo de evento das mais diversas igrejas e congregações: Igreja Batista, Assembleia de Deus, Centro Kardecista, Centro de Umbanda, Coven Wicca, e os mais diversos dentro da igreja católica.

Minha fé seguia de acordo com o sopro das amizades e das paixonites adolescentes. Antes de me decidir pelo catolicismo, flertei bastante com o culto da moda: o Wicca (relevem, o ano era 2003!), que tinha mais sensivelmente o apelo que sempre me atraiu nas religiões: algo de mágico, místico, sobrenatural, de fazer com que eu me sentisse especial e poderosa (pre-para!). 

Mas em 2004 participei de um retiro de carnaval que me apresentou a algo verdadeiramente mágico, transcendental e poderoso, mas que eu ainda não tinha: a fé. 
Até hoje, quando parece que nesse mundo não há nada além do que podemos ver, tocar e perceber superficialmente com nossos sentidos, evoco a lembrança de um momento especial daquele carnaval, que me provou de uma vez por todas que há algo mais.

Então, a fim de fazer essa coisa de ser católico direito, com 14 anos entrei na catequese da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, para poder fazer minha primeira comunhão. Celebrei com 16 anos, e nos dois anos seguintes me preparei para a Crisma, que celebrei com 18. Dos 16 aos 20 participei também do Segue-me, que me deu a exata noção de que a maior forma de amor do cristão se manifesta pelo serviço.

nadinha!
Fiquei, então, pelo menos uns cinco anos "me formando" como católica. Mesmo participando das atividades da igreja, com uns quinze anos eu saía de casa batendo porta, gritando com mãe e irmãos. Ouvi da minha mãe - que não pratica nenhuma religião - muitas vezes, enquanto batia a porta atrás de mim: "De que adianta você ir pra igreja, se continua do mesmo jeito?"

Pois bem, de que adiantava? De nada. De que adiantava dormir e acordar na igreja se eu continuava sendo arrogante, impaciente, egoísta?

Fui aprender, então, o real significado da palavra conversão. E quando finalmente o aprendi, decidi que parte da minha missão era passar isso pra frente. 2009 foi meu primeiro ano como catequista. Eram crianças de 8 a 10 anos que se preparavam comigo e minha parceira pra primeira eucaristia. Meus pequenos celebraram em 2010 e no ano seguinte eu assumi, também com uma parceira, uma turma de crisma, crianças de 14 a 16 anos. 

Neste ano, 2013, assumi sozinha uma turma de Perseverança, que é um tipo de turma na qual as crianças que concluíram a primeira eucaristia esperam ter idade para começar a preparação pra crisma. Ou seja, uma turma que não te prepara pra sacramento nenhum, e que, em tese, não tem objetivo a não fazer passar o tempo.

Não com a Tia Bruna, rs. Assumi o compromisso de fazer com que nossos encontros fossem produtivos em si mesmos, ainda que não tivessem nenhum dos Sacramentos como objetivo final.

fluxograma do filho pródigo
Ao contrário do que se possa pensar, durante os encontros, eu não fico amedrontando as crianças com o fogo eterno do inferno. Nem ensinando se é certo ou errado ser gay, divorciado, evangélico, umbandista, pai ou mãe solteiro ou transar antes do casamento.

Porque catequese não é isso - e o catequista que faz isso, digo com confiança, está muito longe de cumprir sua missão de evangelizar. Está sendo hipócrita, fariseu, e usando o discurso religioso pra propagar preconceito e afirmar algum tipo de poder.

O que eu tento passar pras minhas crianças é algo muito mais profundo, abrangente e difícil: a noção do amor cristão. Tenho que trabalhar com meus meninos a construção de valores cristãos, valores que eles não trazem mais de casa, da escola, da internet, de lugar nenhum. 

Em casa, meu menino aprendeu do pai que se ele voltar pra casa "apanhado", ele apanha de novo. Na catequese, ensino que não devemos revidar as agressões que nos são feitas. Em casa, minha menina aprende da mãe que mulher de roupa curta é piranha, e que piranhas são pessoas desprezíveis. Na catequese, ensino que todas as pessoas têm valor, que Cristo olhou com carinho para todos os "desprezíveis" de sua época, que não devemos julgar nossos irmãos pelo modo com que se apresentam.

Em casa, meus meninos aprendem que não se leva desaforo pra casa, que bandido tem que morrer, que devemos ser bons com quem for bom com eles, que eles precisam "ser" alguém na vida, que dinheiro é mais importante do que tempo com a família, que amor se troca por coisas.

Na catequese, ensino que devemos perdoar setenta vezes sete, que devemos juntar tesouros no céu e não na terra, que aquele que quiser ser o primeiro entre todos deve se fazer o menor servo, que bem aventurados são os pobres, os humildes, os mansos de coração.

Nesses cinco anos, tive altos e baixos na minha fé, na minha proximidade com Deus, na minha força para seguir seus mandamentos e os da igreja católica. Mas a cada sábado, durante as duas horas em que eu estava com as crianças, me sentia mais íntima, confiante e forte do que nunca. Se ensinar é um gesto de amor, catequizar é o gesto de serviço e desprendimento que faz com que esse amor seja multiplicado e duradouro. 

Não me sinto hipócrita por ensinar algo que não pratico - porque eu não faço isso. Ensino que se deve dar atenção dando atenção, que se deve ter respeito dando respeito, que se deve ter paciência tendo paciência, que não se deve julgar não julgando, que se deve rezar rezando, que se deve perdoar perdoando. E que é normal cometer erros, e que eles não são motivo de vergonha ou culpa, mas uma oportunidade de se aproximar mais de Deus pela sua infinita misericórdia.

Jogando queimada com as crianças - cadê a catequista?
Ser catequista me faz ser uma cristã melhor, uma pessoa melhor. Me faz ter contato direto com a juventude da minha comunidade, com o que eles ouvem, assistem, jogam, brincam, aprendem na escola. Impede que eu perca a proximidade com o lugar de onde eu vim e onde me criei. Me faz ver que meu trabalho na vida de cada criança faz diferença. Que elas crescem, amadurecem e aprendem através do meu amor, da minha atenção e da minha dedicação. E isso, amigos, nada mais é do que a definição de realização pessoal.

***






Estou me mudando para Portugal e deixando minha turma, minha paróquia, minha comunidade. Minha despedida será feita colocando em prática o que a gente tenta aprender dentro da igreja. Faremos uma visita à Casa do Menino Jesus, uma instituição no Gama que dá apoio a crianças pobres de regiões afastadas dos centros que vêm fazer tratamento de alguma doença crônica nos hospitais de Brasília, e às suas mães. 

Não vou levar meus meninos lá pra dar um "choque de realidade" e dizer "olha como suas vidas são ótimas perto das vidas dessas pobres criancinhas doentes". Não. Vamos levar companhia, teatro, olhares, atenção, abraços, sorrisos. Vamos criar pontes entre crianças, mostrando que elas são mais parecidas do que diferentes e que suas diferenças não necessariamente devem afastá-las. 

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Será minha despedida, será dia dia de festa, dia de transbordar de amor e de mostrar muita gratidão por tudo o que o "ser catequista" fez por mim. 

Será um dia feliz, que antecederá muitos dias de amorosa saudade.




[Para ajudar a Casa do Menino Jesus também, clique aqui]



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Mais Médicos, Menos Corporativismo

>> segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Hoje começa o período de três semanas de acolhimento da primeira leva de médicos estrangeiros que vieram para o Brasil participar do programa Mais Médicos, do Governo Federal, que envolve diretamente os Ministérios da Saúde e da Educação. 

Trabalho na Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde,  responsável pelo programa no MS, e tenho acompanhado de perto, tanto pelos bastidores, quanto pelo que sai na mídia, o seu processo de consolidação. Aqui vai minha opinião, algumas informações importantes, e questionamentos para o futuro. Todos os dados aqui são públicos, ao alcance de uma "googlada", logo, não estou usando meu cargo para divulgar nenhum tipo de informação privilegiada.



Mais Médicos

O provimento e a fixação de profissionais de saúde, especialmente de médicos, em áreas remotas, de difícil acesso e de maior vulnerabilidade é tema de debate institucional há muito tempo - foi um dos debates que motivou a criação da Secretaria em que eu trabalho, que existe desde 2003.
Esses municípios são áreas censitárias 4 e 5, de acordo com a classificação do IBGE, e se concentram no interior, nas fronteiras, nos distritos sanitários indígenas e nas periferias das grandes cidades.

Antes do "Mais Médicos", uma das estratégias do Ministério da Saúde para minimizar esse problema foi a criação do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica - PROVAB, que existe desde o ano passado e serviu de modelo para a operacionalização do Mais Médicos. O Governo Federal tentava atender, assim, a demanda dos gestores municipais de saúde que diziam não conseguir atrair ou fixar profissionais de saúde, mesmo oferecendo altos salários.

As manifestações de julho aceleraram o lançamento do Mais Médicos, que, além de pensar no provimento dos profissionais (bolsa federal para o profissional, subsídio para o município, contratação de médicos estrangeiros, acordos bilaterais com outros países), pensou também na formação desses profissionais no Brasil (e é aí que entra o MEC), e, de uma vez só, mexeu com estrutura da formação e do exercício profissional de um dos maiores lobbys corporativistas do país.

Menos Corporativismo

Pra falar de lobby corporativista, vou comparar a classe médica com a classe dos professores (da qual eu faço parte por formação, e isso já diz muita coisa). As duas são fundamentais para bons IDH's, para o desenvolvimento do país, são o mote das prioridades de toda campanha política: saúde e educação, são tão antigas quanto a organização humana em sociedade. Portanto, gozam do mesmo prestígio social e economicamente, certo? Claro que não.

Medicina, diferentemente da maioria das licenciaturas, é um curso caro. É um curso que requer laboratório, equipamento, que não dá pra se virar - ou pelo menos, em que ninguém "aceita" se virar - com um punhado de livros, giz e saliva. Quem faz medicina no Brasil? A criança que desde pequena sente vocação pra ajudar todo mundo que vê sentindo dor? A criança que cresce desejando fazer desse mundo um lugar melhor e com menos sofrimento? Claro. Desde que os pais dela possam pagar. Pagar uma faculdade que custa de 2 a 7 mil reais por mês, durante cinco anos. Ou pagar no mínimo três anos de educação continuada pra que ela possa entrar no vestibular do curso mais concorrido das Universidades Federais.

Filha de pobre, via de regra, não faz medicina . Faz licenciatura. (E quem está mudando isso, aos poucos, é outro programa desse governo: o ENEM).

O estudante de medicina se dedica exclusivamente (não trabalha pra se sustentar), é branco, jovem, cheio de sonhos e planos pela frente. No mínimo, ele espera ter, com sua profissão que deu tanto trabalho pra conquistar (não estou dizendo que não), um padrão de qualidadede vida tão ou mais confortável do que o que teve enquanto dependia de seus pais. Ir trabalhar no interior, numa periferia ou numa área indígena não se encaixa nesse padrão de vida, é claro.

Ok, doutor, o Governo não pode te obrigar a deixar o conforto do seu bairro nobre na grande cidade pra morar numa casa simples no interior, diagnosticando virose, verminose, dengue, enfim, ter aquela vida besta numa cidadezinha qualquer, longe do conforto, do prestígio e de tudo que papai e mamãe te ensinaram a valorizar tanto na metrópole.

Nem o governo pode te obrigar a isso, nem a sociedade pode te condenar por não querer isso pra sua vida. 

Infelizmente, nem toda profissão pode escolher isso. Um professor em começo de carreira - que também fez seu curso com dedicação, que também se esforçou pelo seu diploma, que também é essencial para a qualidade de vida da população - não gostaria de trabalhar ganhando R$8 por hora/aula, ou numa escola de zinco, ou ensinando alunos em risco social. Mas os municípios do interior não andam por aí oferendo 35 mil reais por um professor de português, e há que se colocar comida dentro de casa, não é mesmo? 

Mas o médico tem bala na agulha pra fazer lobby. Médico tem contato na imprensa, no governo, entre os empresários, na indústria farmacêutica. Médico faz parte do grupo formador de opinião, da elite culta, tem acesso a todos os meios de comunicação. Médico não se sujeita porque não precisa se sujeitar. E está certo em não se sujeitar. 

Mais alternativas

Então, o que fazer? A culpa é do município? A culpa é do município por ser longe de tudo (quem mandou ter uma cidade ali no meio do nada?) A culpa é do município que não atraiu indústria, desenvolvimento, o progresso brilhante em vermelho e amarelo num letreiro do Mc Donalds? O governo vai falar o que praquele município? "Olha, sinto muito, mas a sua população vai morrer de disenteria, de leishmaniose, de anemia provocada por solitária, de pneumonia, se continuar aqui. Eu sugiro que vocês saiam daqui a vão engrossar as filas dos hospitais das periferias urban... oh, wait, lá também os médicos não vão porque têm medo de serem assaltados. É, sinto muito, o problema é de vocês".

Não, né. Porque há alternativas no mundo que podem ser testadas aqui. Uma delas é a contratação de médicos estrangeiros. O governo a fez por dois modos: O primeiro, foi a adesão ao edital. Os critérios pra que médicos estrangeiros viessem foram três: 1) Exercer a medicina legalmente no seu país 2) Ser proveniente de um país com mais mil médicos por habitante que o Brasil  3) Ter conhecimento de língua portuguesa.

A esses médicos que aderiram ao edital, foi apresentada a lista de municípios que solicitaram médicos, e eles puderam escolher até seis opções. A maioria deles escolheu cidades de periferia ou mais próximas dos grandes centros, assim como os brasileiros, o que resolvia grande parte do problema de provimento, mas deixava ainda uma lacuna: Os municípios com 0 médicos, mais pauleira, mais escondidos, mais difíceis de se chegar, continuaram não sendo escolhidos.

A forma encontrada para preencher essa lacuna foi o acordo bilateral de contratação de médico, a princípio, firmado com Cuba.


Menos medo cósmico de Cuba

Em Cuba, a lógica "só filho de rico faz Medicina" não existe. A ELAM é financiada pelo Governo cubano - a "ditadura comunista", segundo esse texto vazio e histérico de Reinaldo de Azevedo, e acolhe estudantes de toda a América que queiram fazer Medicina, quase sem custos. Mas, como nada é de graça nesse mundo, em vez de pagarem com a moeda capitalista, pagam com compromisso político. 

O aluno formado na ELAM aprende que vidas são mais importantes que cifras. E o dinheiro que ele não paga pra se formar, o governo, que banca tudo, recebe de volta quando ele for trabalhar no exterior. Pra manter o governo, a própria escola, e formar mais gente que, fora de Cuba, nunca realizaria o sonho de se formar em Medicina.

(Pelo o que pude entender, é mais ou menos um serviço civil obrigatório: o governo te oferece um serviço público de qualidade, a universidade, e em troca você dá algum tipo de compensação ao governo. Comparar isso com escravidão é, no mínimo, irresponsável, pra não dizer de um extremo mau-caratismo e oportunismo midiático.)

Então, o acordo entre países é diferente do acordo entre país e profissional por um motivo muito importante: os profissionais que vêm independentemente escolhem, na medida do possível, onde querem trabalhar. O acordo bilateral não prevê isso. O Brasil oferece o seguinte acordo na OPAS: "preciso de profissionais que vão para onde EU preciso. Em troca, repasso o dinheiro diretamente ao governo que me oferecer esses profissionais nessas condições"

O único país que pode fazer isso é Cuba, claro. Porque a admissão na sua Escola de Medicina tem esse requisito: que o aluno se forme para sair em missão, e que devolva, como parte do seu salário, o gigantesco investimento que o país fez em sua formação - que a esse mesmo aluno não seria possível em nenhum outro lugar do mundo.

Mais Humanização

A humanização do atendimento médico no Brasil anda a passos de formiga e sem vontade. O grande lobby da indústria farmacêutica, das faculdades de medicina e das grandes fabricantes de tecnologia médica não tem o menor interesse em uma medicina mais simples. O lema é progresso, avanço, e isso se conquista com mais tecnologia (mais custos) e menos conversa. A formação humanista da ELAM é diferente. Ela investe na relação médico-paciente, na promoção da saúde e no acompanhamento periódico da comunidade - são esses os princípios da medicina de família, ou da atenção básica, que é a área específica em que os médicos estrangeiros vão atuar. 

Isso preocupa uma classe médica que se forma totalmente dependente de exames sofisticados e aparelhos de precisão milimétrica. Não que eles não seja necessários, mas são, em muitos casos, dispensáveis. A medicina humanizada mostra aos barões do avanço que saúde pode custar bem menos dinheiro e um pouco mais de atenção da equipe médica. E que a tecnologia deve sim ser usada em casos graves, delicados, críticos, mas que, com promoção da saúde, que é muito mais barata, o número desses casos pode ser diminuído drasticamente.

Menos especulação

Muitos de nós que estamos neste debate não têm envolvimento direto no problema. Os lugares-comuns que eu ouço demonstram um total desconhecimento da realidade desses "rincões", desses "pobres", muito menos da situação dos supostos "escravos" que estão vindo de Cuba. (Só porque você não se imagina saindo do seu país pra trabalhar em missão humanitária, mesmo ganhando "pouco" - porque 25 a 40 % de 10 mil reais pra morar em cidades com custo de vida baixíssimo é miserável! - não quer dizer que quem faz isso está sendo forçado, né?). Muitos também ignoram que os municípios que receberão médicos provaram ao Ministério que têm condições de oferecer dignidade para o médico exercer sua profissão, ou seja: estrutura  e equipe.

Não quero dizer que não podemos dar nossa opinião sobre o assunto, mas, uma vez que não estamos diretamente envolvidos - esses médicos não vão nos atender, não temos ideia de como é viver em Cuba - nossa responsabilidade sobre o que dizemos sobre o assunto é ainda maior. Não é feio admitir que não tem opinião formada. No meio de uma discussão, é bem melhor falar um honesto "não sei", do que reforçar especulações maliciosamente originadas na mídia, nas redes sociais, na internet de modo geral. 
E, se quiser mesmo participar, se informe. 

A equação "mais médicos" é difícil de ser resolvida, não há solução mágica que agrade a todo mundo. 
Esse programa, acusado de ser eleitoreiro - mesmo  ele sendo de base, de diretriz, de fundação, mesmo prevendo resultados a médio e longo prazo, mesmo querendo passar de política de governo para política de Estado - é fruto de muita vontade política, de uma mobilização nacional  que quer dar uma resposta às ruas. E isso não pode ser ignorado. Os fatos que expus aqui, e algumas das minhas opiniões, são o mínimo para uma reflexão mais profunda, que estou disposta a tentar fazer com quem se interessar pelo assunto.

***

Todos nós, envolvidos diretamente na execução do programa, temos em mente isto: é um momento histórico, uma virada decisiva na história da saúde pública brasileira. Conseguimos entender um pouco melhor esse sentido de missão, de trabalhar por algo maior do que dinheiro e prestígio.
(imagina a crise no capitalismo se todo mundo começa a trabalhar por ideal e pára de alienar seu tempo num emprego qualquer?)

Acredito que em algum tempo será possível ter os dois. Trabalhar por ideal e receber um pagamento justo por isso. Mas pra isso, essa quebra no "curso natural" das coisas que esse programa está promovendo agora é indispensável. Acredito nesse programa, torço pra que ele dê certo, pra que seja imitado em outras profissões, pela democratização do acesso aos cursos de Medicina, e pra que, num futuro próximo, a brincadeira da criança que coloca sua roupinha branca e sai pela casa medindo temperatura dos pais e dando balinha de remédio pra todo mundo possa virar profissão, não importando se sua família é de empresários ou de camponeses.

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#MeuPaiÉDesses

>> domingo, 11 de agosto de 2013

Papito sempre me cobrou um texto que nem esse aqui que fiz pra mamis. Ei-lo.

Meu pai sempre me carregou pra tudo que era canto, sob os protestos da minha zelosa (chata) mãe. Quando pequena, minha relação com ele era muito mais próxima do que a com a minha mãe. Aos oito anos, eles se separaram, e eu a culpei por me afastar do meu melhor amigo.

Lá pelos treze anos, me aproximei mais da minha mãe e pude ver de muito perto a transformação dela na mulher maravilhosa que ela é hoje. A imagem que tive do meu pai sempre foi mais estável. Não o enxergava como alguém passível de mudança, meu pai era um homem "acabado". Até os catorze anos, fomos muito próximos e muito parecidos. Quando minha carência de atenção ou minha teimosia excediam a paciência dele, ele me dispensava com um "Não" ríspido, que me fazia engolir o choro e me deixava um nó na garganta.

Na adolescência, o choro mal contido se libertou num ensaio de rebeldia. Meu pai viu a filha que ia chorar magoada no quarto ficar, responder, revidar, enfrentar e negar a sua autoridade de pai.

Então meu melhor amigo virou alguém com quem eu sequer falei durante uns seis meses.

A reconciliação veio aos poucos, depois de eu amargar um arrependimento ao ver que meus pais não esperavam mais nada de mim. Eu, que até então achava que me sentia pressionada a ser adulta, responsável, inteligente, me vi desesperada quando essa suposta pressão foi substituída por uma total falta de expectativa. 
Isso mais a lembrança constante da recente e, principalmente, inesperada morte do meu padrinho, primo e melhor amigo do meu pai, me fizeram perceber que eu não tinha tempo a perder para tomar a iniciativa de reconstruir minha relação com ele.

E assim, como o filho pródigo que à casa torna (eu, que sempre fui o irmão mais velho meio invejoso), reaprendi a falar com meu pai, abraçá-lo, beijá-lo, dizer "eu te amo", deixar que ele fizesse parte essencial da minha vida, que ele voltasse a ser meu maior exemplo.

Aos 16 anos fui aprovada no vestibular pra Letras na UnB, aos 18, num concurso público, aos 20, no mestrado em Literatura.

Apesar de ter seguido seus passos, meus motivos foram diferentes. E ainda restava em mim, ao pensar relação com meu pai, a necessidade de conciliar nossas grandes semelhanças e nossas irreconciliáveis diferenças.

Quando terminei o mestrado, pensei, e agora? Qual o próximo passo? Saí da sombra do meu pai, da estrada pré-trilhada, dos resultados conhecidos.

Cheguei a escrever no meu diário, em janeiro desse ano, quando tive a certeza de que não queria mais ser servidora pública, como ele:

[...] Como calar a voz do meu pai dentro da minha cabeça? Como eu tenho, ao mesmo tempo, os complexos de Édipo e de Electra?
Meu pai é um alter-ego meu. Mas temos coisas diferentes. Quando eu amo essas coisas em mim, tenho que detestar nele. Nunca vou poder amar os dois ao mesmo tempo. Quando eu acho que estou certa, tenho que desmerecer a opinião dele. Quando ele está certo, significa que a errada sou eu, e isso é o mesmo que dizer adeus à minha autoestima. 
Na adolescência, quando a exaltação do meu ego atingiu seu estado máximo, anulei meu pai. Num mundo em que ele tivesse razão sobre tudo, eu não teria nenhuma chance de crescer.  (porque meu pai não é o tipo de crítico que deixa você tentar outra vez depois do primeiro erro)
Meu pai, meu ex-namorado, meu orientador, três figuras de autoridade masculina que têm uma influência enorme no que eu sou hoje.
Eles me forçaram  a ser rebelde, mas a opinião deles sobre o que eu faço é, sim, muito importante! Minha rebeldia é um jeito de tentar  me afirmar diante disso. 
A resistência a isso tem que ser minha. Entendo minha mãe cada vez melhor. Mas eu não posso pedir divórcio do meu pai. Tenho que aprender a lidar com isso.
Eu só queria descobrir o que em mim sou "eu" e o que é apenas negação do outro ou do que ele espera que eu seja - pra que assim eu faça minhas escolhas conscientemente e não apenas pra afirmar "você não manda em mim", como aos quinze anos.

Meu grande aprendizado desse ano foi trabalhar pra eliminar essa concorrência e essa vontade de subjugar os outros (meu pai, os homens) provando que eu tou certa - Freud explica. Fiz isso entendendo que somos pessoas diferentes, mas não opostas. Que estamos em processo constante de mudança e evolução - sim, ele também.

Somos diferentes não por nossa essência, mas pelas escolhas que pude fazer, e fiz. Escolhas que ele mesmo me proporcionou - como a última, de ir pra Portugal fazer doutorado. Estou dando um passo no escuro, um "lea
p of faith". Mas sei que ele e minha mãe são minha rede de proteção, e têm plena confiança em mim. Sou grata por isso.

Pai, por mais que eu lamente todos nossos desentendimentos dos meus "negros" quinze anos, sei que eles não foram em vão pelas escolhas que aprendi a fazer a partir dali. Lamento que tenha custado tanto. Mas passou.



Obrigada. Por tudo. Você é o melhor pai que eu poderia ter tido e, graças a Deus, tive e tenho. Amo você. 
Feliz dia dos pais.


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