As brasileiras gostam mais.

>> quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

As brasileiras gostam mais.
As brasileiras eu não sei. As outras, que outras? As brasileiras, eu não sei. Mas eu gosto. Gosto do que aprendi a gostar. Gosto do que faço melhor, mais gostoso. Gosto de te ver gostar. Gosto porque gostas, gosto quando gosto, quando gosto, gosto muito.
As brasileiras gostam mais? As brasileiras, eu não sei... mas eu? Gostas? Se gosto? Quando gosto, gozas mais. Gozo mais quando gostas. Gostas que eu goste? Eu gosto quando as brasileiras gostam... as brasileiras? De novo as brasileiras? Delas não sei, não gosto que gostes das brasileiras. Gosto que gostes de mim. Eu gosto quando gostas que eu goste. Gosto mais quando de mim gostas. Se de mim gostas, gosto que goste. Mais.

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Elogio à Mulher Fácil

>> segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Uma vez amei uma Mulher Fácil. Não a identifiquei logo, tão habituado que estava às difíceis. Minhas habilidades no jogo de conquista tantas vezes disputado com mulheres difíceis de nada adiantaram com ela. Com as difíceis me esforcei por aprender uma complexa combinação de gestos e significados. Dediquei intermináveis horas de observação para poder então desvendar os mistérios de olhares oblíquos. Me decepcionei ao descobrir que esses olhos envoltos em densa névoa prometiam uma profundidade que, vencido o jogo, não existia. 

Formulei um extenso dicionário de metáforas e meias-verdades para me comunicar com as mulheres difíceis - até então eu chamava-as apenas "mulheres", porque acreditava que todas eram assim.
E então eu a conheci. Numa noite despretensiosa, pontilhada de estrelas e iluminada por uma modesta lua em quarto crescente. 
Estávamos numa mesa de bar, e eu já havia iniciado partidas de olhares com alguns pares de olhos misteriosos que me procuravam com langor, de baixo pra cima, prometendo, insinuando um mundo oculto de delícias ao qual eu teria acesso depois de vencido o jogo.

Foi quando ela puxou uma cadeira e sentou-se ao meu lado. Sorriu um riso largo, franco, procurou o caminho mais curto até meus olhos e, mirando-os diretamente, com a mão confortavelmente apoiada no meu ombro (como ela foi parar ali?), disse: Oi! Qual é o seu nome?

Aquela abordagem direta, honesta, comprometedora e ao mesmo tempo desinteressada, confundiu meus pensamentos. Procurei nos meus manuais de conquista elaborados e revisados na memória o movimento que deveria vir a seguir desta ardilosa jogada feminina. Ainda não sabia que estava diante de uma Mulher Fácil - como poderia? Busquei em vão, não pude pensar em uma resposta que não fosse óbvia: acabei por dizer-lhe meu nome.
E a partir deste momento meus olhos não mais se desviaram daquela mulher que diante de mim revelava-se sem pudor, dizendo-me de forma desabrida o que pensava, como sentia, desnudando-se em público diante de um fascinado desconhecido: eu.
Um a um, rasguei mentalmente meus manuais, abandonei-me à vertigem de também eu desistir do mistério. Me senti livre, à vontade, feliz. Enxerguei naqueles olhos claros - claros não, eram negros - naqueles olhos luminosos, os olhos de um semelhante. Um semelhante que amei com entrega, com paixão, com a facilidade de quem faz aquilo a que é vocacionado.

Nunca mais nos vimos. Mas, desde que conheci e amei a Mulher Fácil, não mais pude me relacionar com as difíceis. A cada "talvez", a cada "não sei se devo", a cada hesitação estratégica, a cada suspiro pretensamente melancólico, a cada palidez enluarada, a cada vez que uma voz dissimuladamente aveludada chegava aos meus ouvidos, eu me afastava, desiludido, com a certeza de que o encontro com a Mulher Fácil destruíra pra sempre o pendor romântico que me atraía para as alcovas secretas, os perfumes suaves, a gravidade fingida, a espontaneidade frívola e calculada das mulheres difíceis.

Sonho com o dia em que encontrarei novamente uma mulher honesta, que conheça seus sentimentos e saiba expressá-los com o corpo, que seja capaz de revelar no sorriso o que os olhos das outras teimam em ocultar, que se movimente não com graça, mas com vigor, que me queira não com abandono, mas com enérgica paixão.

A você, Mulher Fácil, o meu canto e os meus versos, a minha busca incessante, o amor como você me ensinou: livre, possível, apaixonado, real.

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Sobre Portugal e xenofobia

>> sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Depois de ter recebido o mesmo link de vários amigos, resolvi dar aqui minha opinião (como brasileira, negra, estudante em portugal) sobre a campanha contra a xenofobia que tá rolando na Universidade de Coimbra. 

Estudo na Universidade do Minho e só posso falar, claro, sobre minha experiência pessoal. No âmbito acadêmico, desde o começo fui bem recebida por professores, colegas e funcionários - jamais ouvi qualquer comentário que procurasse me humilhar, ou seja, que viesse de alguém com alguma posição de poder em relação a mim, e que eu não pudesse responder na mesma medida. Nas discussões com amigos e conhecidos sobre Portugal, Brasil, a vida, o universo e tudo o mais, me esforço pra apresentar um retrato que dê conta da diversidade do meu país, tentando de algum modo dar a conhecer o discurso conservador de quem acha que o país vai de mal a pior e detesta morar lá (ao contrário do resto do mundo), e, por outro lado, o de quem reconhece os grandes avanços na área social, e não só, que tivemos nos últimos anos (do qual tomo partido). Aponto ainda diversas possibilidades entre essas duas visões.

De modo geral, passo a impressão de que sei do que estou falando (e acho mesmo que sei), então nunca me acusaram de ignorante. Na minha área específica, há dados que não sustentam um eventual olhar de desconfiança do português, como o fato de a língua portuguesa só ser considerada uma língua internacionalmente importante por causa do peso econômico do Brasil e seus 200 milhões de falantes, o fato de nós não precisarmos ler os textos acadêmicos/literários nas suas línguas originais não porque somos capazes de aprender línguas estrangeiras, mas porque não precisamos, já que temos excelentes tradutores e um mercado editorial que só faz crescer ( o que faz de nós também uma potência linguística), o fato de termos pesquisadores que se destacam internacionalmente em diversas áreas, o fato de estarmos aumentando o número de bolsas concedidas pra pesquisa e ensino dentro e fora do país, enquanto aqui houve o menor número de projetos aceites em mais de dez anos.

Além de tudo isso, aqui estou eu, mulher e negra, representando ao mesmo tempo elite e periferia, fazendo doutorado aos vinte e três anos sem que pra isso tivesse que estudar de noite à luz de uma vela de sebo depois de cortar cana sob um sol escaldante - isso quer dizer alguma coisa sobre o sucesso das políticas de transferência de renda no nosso país!

Ainda assim, reforço todos os estereótipos que o próprio Brasil vende em novelas e anúncios de turismo: bunda, samba e futebol, sorrio sempre, falo alto e "pegando", gesticulo muito, como sempre fiz - e por que teria que ser diferente? Nada disso me impede de ser uma das melhores alunas do doutorado, de ser respeitada como pesquisadora ou faz com que tenha minhas capacidades intelectuais colocadas em dúvida.

E isso é porque eu sou excepcional? Não, claro que não. A verdade é que, mesmo que ainda existam pessoas agressivas ou preconceituosas contra brasileiras, o que transforma esse preconceito em violência é o domínio do poder, poder que nos nossos tempos é validado pelo dinheiro.
E isso, nesses dias de austeridade e troika, os portugueses não têm - não mais que nós, pelo menos.
É claro que alguns deles ainda não se acostumaram com essa novidade de ter que tratar ex-colono como gente, e temem (coitados!) serem colonizados às avessas - temem serem "aculturados" por uma invasão cultural feita por novelas, músicas, com o acordo ortográfico.
Mas o mais importante é que esse preconceito não se reproduz nas instituições, como discurso oficial ou levado a sério.

Eu passei por um processo de obtenção de visto, a instituição "governo" me aceitou aqui, tenho direitos. Se eu for agredida verbal ou fisicamente, tenho quem me defenda, tenho o direito a denunciar, prestar queixa, ser ouvida - minha reclamação não vai ser colocada numa gaveta com um carimbo "deve ter dado motivo". E, caso isso aconteça - aí, sim, todas as formas de denúncia e publicidade pra que o crime de xenofobia/racismo/violência seja punido serão válidas.

O que evidencia isso - essa conquista oficial de respeito - é a repercussão da notícia em mídias mais conservadoras. Reparem que a notícia não é "casos de xenofobia em Coimbra", ou "Universidade omite casos de xenofobia", mas "campanha contra xenofobia" - que é quase a mesma coisa que promover uma passeata contra a corrupção. A minha opinião sincera sobre este caso específico é: uma chapa que quer se eleger ao "DCE" deles pegou nessa pauta fácil (quem é que vai assumir que é xenófobo? não é mais aceito socialmente, lamento), nada específica e boa-mocista pra se promover. Poderia ter tocado em questões mais espinhudas, como a da praxe acadêmica, "tradição" que recentemente pode ter sido responsável pela morte de seis universitários aqui em Portugal.

Que muita gente é racista e preconceituosa, e teme uma colonização às avessas tupiniquim eu não duvido. Mas institucional e economicamente, hoje, pelo o que pude conhecer de Portugal, elas não têm poder. Que chorem, que esperneiem, que comentem nas notícias dos grandes portais, que espumem de raiva e ódio - o mundo é uma arena ideológica e estamos aqui pra lutar. Se uma ofensa ou agressão concreta eventualmente acontecer, tenho a opção de ignorar, rebater, argumentar, não me relacionar com tal pessoa, ou, num caso mais grave, denunciar formalmente a ignorância que se traduzir em ato de violência: tenho respaldo legal e social pra isso.

Sem medo de estar minimizando este problema, acredito que Portugal tem outros maiores pra resolver. Este país e este continente não sabem pra onde querem e podem ir, não sabem como será e temem o mundo cada vez mais próximo em que não terão papel de protagonistas, a proclamada "amizade" da "união" europeia está se desmoronando diante das imigrações internas - e a xenofobia crescente e, nesse caso, concretamente violenta, contra os imigrantes do leste (búlgaros, romenos, ucranianos) é uma questão mais urgente que nem começou a ser debatida às claras.

Quanto a nós, jovens brasileiros que vêm pra cá gerar renda, movimentar o mercado interno e desenvolver pesquisa, somos o menor dos problemas e até alguma parte da solução, porque trazemos dinheiro, não estamos pedindo nada. Aos portugueses que ainda não se "aperceberam" disso, desejo vida longa, pra que eles vejam a cada dia mais nossa vitória.

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Todo mundo tem o direito de odiar o seu emprego

>> terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Nos encontramos na praça de alimentação do shopping, lotada naquela segunda-feira, ao meio dia. Não me lembro bem qual shopping era, mas não tem importância, todas as praças de alimentação de todos os shoppings centers do mundo todo são iguais, e encontram-se igualmente lotadas ao meio dia das segundas-feiras.

Olhamos com olhos ferozes para um casal que já acabou de comer, mas que se demora em carinhos numa das mesas. Finalmente o casal percebe a inconveniência desse momento de intimidade e libera a mesa pra gente.

Nos sentamos, e imediatamente ela começa a desfiar o rosário de reclamações que, na cabeça dela, faz com que sejamos pessoas mais íntimas - afinal, com pessoas que ela não conhece, ela mostra o melhor que pode oferecer, é sempre gentil, amável, simpática, feliz - mas comigo, que sou uma amiga íntima, ela não precisa se dar esse trabalho, e pode ser "ela mesma", ou seja, uma pessoa miserável e triste (não entendo bem essa lógica, já entendi, mas agora há algo nesse raciocínio que me escapa).

A principal reclamação de hoje é o trabalho dela. As colegas são horríveis, a chefe é horrível, as clientes - nessas nem se fala, sempre esperando ser servidas com um sorriso no rosto, como se ela fosse obrigada a estar feliz todos os dias - ainda mais naquele emprego de merda, que ela detestava, que a explorava, mas que ela tinha que aturar dia após dia, numa rotina torturante, porque afinal, as contas - e quantas contas! - não se pagam sozinhas.

O rosário é interrompido para que a gente afinal peça o que vamos comer. Eu me dirijo primeiro ao caixa do fast-food eleito, e ela fica, para impedir que a mesa seja usurpada por outro casal feliz - existem tantos desses caminhando livremente por aí hoje em dia! Em seguida é a minha vez de proteger a mesa de executivas apressadas - que viessem mais cedo, não sabem da lotação das praças às segundas? Daí a um momento que me pareceu muito longo, ela, a pessoa a quem chamo amiga, volta, estampando no rosto um profundo desprezo pela humanidade.

- Que atendente mais incompetente! E grossa! Como elas deixam essa gente burra trabalhar pra elas? Deviam ser mais seletivas com quem escolhem pra atender o público... 
- Talvez ela só esteja tendo um dia ruim...
- E a culpa é minha? O que que eu tenho a ver com isso? Se a pessoa escolhe trabalhar com atendimento, com comércio, o mínimo que ela tem que saber é tratar bem as clientes! E eu lá quero saber do dia dela? Pessoazinha mais estúpida...

Não dou ouvidos à reclamação, almoço calada, escuto pacientemente o quanto a vida dessa minha amiga lhe parece irremediavelmente infeliz.  Nos despedimos, agora a praça não está tão lotada, já está tarde. Meu caminho de volta é triste: não fui amiga o suficiente dessa pessoa que verdadeiramente amo. Não tive a honestidade de mandá-la calar a boca e dizer que ela é imensamente privilegiada, e que foi extremamente arrogante em relação à atendente, que por sua vez merecia de todo alguma empatia, já que elas têm em comum no mínimo isto: odeiam o seu trabalho. Sequer tive a coragem de fazê-la perceber que tudo o que ela dizia da atendente se aplicava a ela mesma, e que, em vez de hostilizar aquela pessoa, ela devia convidá-la pra almoçar - imagina, ela não deve ter horário de almoço, então pra jantar, ou pra tomar um chopp depois do expediente - pra que elas pudessem trocar experiências sobre o trabalho que odiavam, conversar sobre formas de trocar de emprego - quem sabe poderiam começar o próprio negócio juntas?


Desculpe, querida amiga, não fui honesta com você e deixei que você se tornasse um ser humano pior e mais egoísta na minha frente, só porque não tive a disposição necessária para te ajudar, pedindo gentilmente que você se calasse. Prometo que da próxima vez em que nos encontremos em uma praça lotada segunda, serei uma amiga melhor.




(esse e outros textos experimentam algumas sugestões deste manual)

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poética da felicidade

>> sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Este blog anda às moscas por motivos de: estou feliz.

Não tenho nada do que reclamar! E agora? Como escrever - ou melhor, como escrever algo que não me soe como autoajuda, como frase de um poster com uma mulher-de-braços-abertos-em-frente-ao-mar-com-o-sol-se-pondo?

Enfrento um imperativo da nossa cultura: a tristeza é bela e sublime, a felicidade é vulgar. Com a Disney e Hollywood e as novelas das 8, a felicidade voltou pra arte, mas apenas como objetivo final, como recompensa depois de 90 minutos ou 8 meses de choro, desencontros e sofrimento. A felicidade só é aplaudida quando ela é um exemplo de superação, um ato de heroísmo, um "estou feliz apesar de tudo", e não por tudo - as histórias "inspiradoras" do facebook (que eu odeio) são basicamente isso, um sentimentalismo que elogia a felicidade quando ela é difícil.

Sofrer é bonito. As coisas mais bonitas que eu escrevi, escrevi quando estava chorando sozinha no frio na penumbra do meu quarto. Quase morri, mas meus diários têm coisas lindas! Nos meus momentos mais felizes, fiz tudo, menos escrever: estava vivendo, correndo ao sol (saudades, sol), rindo, lendo, amando.

Agora tou feliz, mas não há sol. Quero escrever, porque afinal, amo escrever, e quando estou feliz, gosto de fazer coisas que amo (ou fazer as coisas que amo me deixa feliz).

Começo, depois leio o que escrevi. Tudo parece óbvio demais, simples demais, repisado demais. Credo, essa linha poderia ter sido escrita pelo Paulo Coelho!

E aí meus escrúpulos estéticos me impedem de continuar. Mas, calma, é só alguma coisa correr* mal, é só aquela onda de melancolia inspirada pelo céu cinzento se espalhar por mim, que sinto aquela doce inspiração - oh, o que são isso? lágrimas? yeah! posso escrever!  

Não quero subordinar uma coisa que amo fazer a um estado de espírito triste e abatido, romântica e idealmente pálido. O problema de ser feliz é que isso, para pessoas adultas e responsáveis por suas próprias escolhas, é muito fácil. É óbvio, é simples, é nítido. E, na nossa cultura que celebra heróis e heroínas, marias do bairro e meninos sofredores que "venceram" na vida, o que tem valor é o que é realmente difícil. Então, se essa mesma cultura coloca como fim último da vida atingir a felicidade - que deve ser desejada, buscada, procurada, conquistada; esse fim último, nobre, tem que ter valor, tem que ser difícil.

E então temos trocentas pessoas privilegiadas, adultos responsáveis por suas próprias escolhas, que precisam acreditar todos os dias que ainda não são felizes, porque dizer o contrário os deixaria perdidos, sem uma próxima meta. É essa a origem do mimimi nosso de cada dia.

Se, de outra maneira, colocássemos como objetivo último da vida sermos boas pessoas, ou sermos justos, ou honestos, ou solidários, ou generosos, ou trabalharmos por um mundo onde mais pessoas possam ser adultos responsáveis por suas escolhas (a.k.a potencialmente felizes), a felicidade assume o seu lugar modesto, óbvio e simples de ponto de partida, de meio, não de fim. A felicidade vira combustível, energia para trabalharmos mais por um mundo onde mais pessoas possam ser adultos responsáveis por suas escolhas, ou para sermos melhores pessoas, mais justas, honestas, solidárias, generosas.

E isso sim é difícil. 

Mas essa nossa cultura doente mascara uma coisa extremamente fácil (que é sentir-se feliz por ter um teto, um emprego, e fazer três refeições por dia) com um verniz de heroicidade, para que nós fiquemos eternamente presos a essa pequena glória (olha só minha nobreza, sou feliz com pequenas coisas!), nos sintamos extremamente lesados e violentados quando uma dessas constantes falha (hoje o dia foi tão cheio que nem tive tempo de almoçar, acredita? não tá fácil...) e, pior e mais importante, não tenhamos tempo nem energia para trabalharmos por algo realmente difícil (ajudar quem não tem um teto, um emprego e não faz três refeições por dia, ou seja, olhar pra quem não é privilegiado, como a gente).

Digo "nossa" cultura, porque nesses alguns anos de vida, meus diários testemunham que o que eu fiz foi me debater entre dúvidas e incertezas e mimimis - com alguns momentos de lucidez, quando deixei de cuidar do meu mundinho para olhar para o outro, graças à política e à religião - até ter o tempo, a paz e honestidade necessárias pra reconhecer que eu sou uma adulta responsável pelas minhas escolhas - e, portanto, minha vida é produto dessas minhas escolhas, e, portanto, a felicidade não tem essencialmente nada a ver com o que é externo a mim, com o que acontece à minha volta, e, sim, com a qualidade das escolhas que eu faço diante do que acontece.

Essa última deve estar em todos os livros de autoajuda - está nos livros de literatura "canônica" também, de formas diferentes, e eu tive que ler e ouvir isso algumas milhares de vezes pra deixar de lado meu ceticismo e acreditar de verdade que para as pessoas privilegiadas a felicidade é simples assim - e mais ainda, para assumir que eu era uma dessas pessoas privilegiadas (porque eu sou meu pai é ricao!).

Voltando à questão primeira que motivou esse texto: O que escrever, agora que não tenho do que reclamar? Me sinto um alien nas rodinhas de conversa (a.k.a redes sociais) em que todo mundo reclama. Minha felicidade chega a ofender essas pessoas que acreditam piamente que têm vidas realmente difíceis, duras, ingratas (e de acreditarem nisso com tanta força, acabam tendo mesmo, coitadas).

Decidi que vou escrever o óbvio. Se o que for óbvio pra mim for também pra mais gente, reconheço meus iguais, meus amigos, meus queridos. Se o que for óbvio pra mim não o for pra outras pessoas, abro para elas uma nova janela por onde ver o mundo. Com a energia que me sobra agora que eu não a consumo em mimimi's eternos, vou olhar para o outro com generosidade e afeto, vou tratá-lo com honestidade e respeito. E, na minha arte, vou tentar representá-lo com a intimidade e a humanidade que dedico a mim própria.
E isso, sim, é difícil.

Exorcizei o fantasma da originalidade que me perseguia. O que escrevo é original porque tem minha voz, porque sou eu a dizê-lo, e ponto. A minha felicidade é original porque tem o som do chiado que faz a cebola quando encontra o óleo quente da panela quando eu cozinho, o cheiro do café pronto de manhã que me leva automaticamente pras manhãs da minha casa (pro calor do colo da minha mãe), a cor da fumaça do chá que minha vizinha prepara pra mim enquanto eu espero sentadinha, de pantufas. 

E é dela que vou falar, e é com a força dela que vou escrever - que escrevi esse texto, simples, óbvio, belo, meu. 

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desejos para o novo

>> terça-feira, 17 de dezembro de 2013

2013, o ano que não me prometeu nada (http://bit.ly/1kSfdL3), me deu tudo. Aprendi a desistir (que falta que me fazia saber desistir!). Aprendi a ter coragem de ser eu - ou melhor, a ter coragem de ser quem eu queria ser. 

Aprendi a ter coragem de ser alguém sensacional porque aprendi a desistir de ser uma pessoa satisfatória, regular, aceitável. 

Aceitável é bom, mas sensacional é espetacular! E entre bom e espetacular, bem...

Em 2013 a minha história e a nossa História estiveram juntas. 
Manifestações nas ruas em julho. Jornada Mundial da Juventude no Rio. Mais médicos para o Brasil. 
Eu saí da posição confortável de expectadora - e crítica - da sociedade pra participar ativamente daquilo que depois seria noticiado. E para, a partir daí, pensar. A partir daí, colaborar de alguma forma para os debates com a minha opinião - opinião que é experiência refletida. 
Porque eu só posso falar com responsabilidade daquilo que eu vivi, do que eu sou. O resto é conjectura, manipulação, generalidade, ruído inquieto de quem não suporta o silêncio - e disso a internet já tá cheia. 

Como eu gosto bastante de falar - e quero sempre falar com responsabilidade - preciso viver mais coisas, ser mais coisas. Quero viver mais, ser mais e melhor. São meus desejos pra 2014. Quero que a apatia, o tédio e a tristeza passem bem longe de mim - porque há muito trabalho pra ser feito nesse mundo.
E quero ter a capacidade de inspirar mais pessoas a serem assim também. 

Em 2014 prometo ser intransigente com os tristes, os conformistas, os desesperados, e com toda a sorte de gente que gasta toda a sua energia procurando motivos pra ficar deprimida, porque ser deprimido é cool, ou porque ser feliz é muito fácil pra quem tem tudo, e não desafia a intelectualidade dessa gente o suficiente.

Sempre que uma dessas pessoas quiser ficar perto de mim, vou lhe dar duas opções: Ou muda ou muda.

Porque eu sei o que quero, e o que eu quero é mudar o mundo (pra melhor!) e isso requer muita energia, e o que me dá energia é a felicidade. O que me dá energia é essa paixão que eu sinto por gente, é esse amor que precisa urgentemente de se dar, de se dar, de se dar...

Que em 2014 eu encontre quem me saiba receber. 

A vida é generosa com quem é generosa com a vida. E, de novo, falo do que vivo, do que sou. Nunca fui tão feliz, tão ciente das minhas capacidades, tão verdadeira nas minhas palavras, tão transparente nos meus gestos como agora, depois de ter desistido de ser uma pessoa "satisfatória". Nunca amei tanto, nem tão bem como amo quem amo hoje.

A todos os meus amigos, desejo que aprendam também a se dar, que desfrutem dos prazeres da generosidade, que abdiquem da mesquinhez que é privarem o mundo de tudo o que verdadeiramente são. O mundo merece - o mundo precisa de - gente que se dê. Menos mistério e mais transparência. Menos "no fundo, no fundo, eu até gosto de você" e mais amor à flor da pele.

(como sempre, um poeta disse tudo o que eu queria dizer, bem antes e melhor, e em apenas alguns versos. deixo aí fernando pessoa pra vocês preguiçosos)

Feliz natal, amores, e um 2014 sensacional pra todos nós.


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gente que não me entende

>> terça-feira, 19 de novembro de 2013

Tenho esses quatro caras que passaram na minha vida - e espero que dela nunca saiam - que nunca foram muito bons em me entender. Sempre que eu estava triste, cansada, deprimida ou zangada com alguma coisa, eles simplesmente não entendiam.
Você tá triste?, diziam, mas triste por quê? Você tem tudo!

E eu teimava em dizer que não, que ainda me faltava mais - mais beleza, mais inteligência, mais amor, mais sombra e água fresca - e me afastava, mais triste e um pouco pior, porque incompreendida por pessoas de quem eu tanto gostava.

Mas passava um tempo e, de tanto eles insistirem que eu não tinha motivos pra estar triste, e me darem algum trabalho pra eu me ocupar - a tal da tristeza ia embora mesmo.

E, agora, que consegui ser eu mesma essa pessoa que não me entende, consigo enxergar o que eles enxergavam em mim e o porquê deles nunca terem me entendido.

Eu reclamava como alguém com quem a vida era muito injusta, pra quem o fardo era muito pesado, como quem recebeu mais tarefas do que podia realizar, como uma donzela frágil e desprotegida, desprovida de talento, habilidade e beleza, diante de um mundo cruel que a perseguia.

E eles nunca entenderam essas reclamações, porque, pra eles, elas vinham de uma mulher inteligente, forte, bonita, agradável e simpática, com talento e habilidade pra compreender e modificar qualquer coisa no mundo.

Obrigada, meus queridos, por terem enxergado em mim qualidades que por muitos tempo eu não pude ver. Através dos seus olhos eu comecei a acreditar que talvez, bem talvez, eu não fosse tão frágil assim.

Por outro lado, a quem entende a pobre de mim, coitadinha do mundo, vem cá que eu te dou colo, que você precisa mesmo, que sem isso você não dura nada, nada, que ah, se não fosse eu no mundo pra te dar força, digo: não entenda! Essa mocinha é mimada, e se a gente não der uns sacode nela de vez em quando, ela senta no meio-fio, fica choramingando e não sai do lugar.

JJAT, obrigada por todas as vezes que vocês não me entenderam. Agora eu entendo vocês.

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agora eu entendo o uísque

>> segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Estou às portas do inverno no norte da península ibérica, o termômetro marca 8 graus. À minha cabeça vêm milhares de ideias mirabolantes, epifanias, a solução de todos os problemas do mundo... só tenho que sentar em frente ao computador e escrever para divulgar a boa nova, mas, puta que o pariu, oito graus, uma da manhã, meus dedos estão congelando... O texto sensacional fica pra amanhã.

Chega amanhã, não vale a pena sair da cama antes do meio dia - Jesus, tá frio! Saio da cama, arrumo os lençóis que vou desarrumar de novo em doze horas, e penso em preparar algo pra comer. Passo horas na cozinha, descobrindo o prazer de cozinhar - quando dá certo - e saboreando o fruto do meu próprio esforço. 

Cai a tarde, chega a noite, leio as notícias do público, do g1 e do correio. Hm, já é hora de comer de novo, e de tomar chá, que, quando bem quentinho, faz tudo parecer melhor. Espero por elas, as ideias. Mas elas tardam a chegar. Vão chegando aos poucos, e se fazem de complexas: exigem muitos parágrafos para se explicar, e querem subordinadas, ou elipses, ou sintaxe de exceção para que se deixem expor. E pra quem? E pra quê? 

Nem, estou às portas do inverno no norte da península ibérica, o termômetro marca 8 graus. O texto sensacional fica pra amanhã.

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Coisas que fazem a gente pensar

>> segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Quando eu era uma pseudo-cult mirim da periferia – alguém chata pra caramba -, eu gostava de dizer, naqueles caderninhos de perguntas e respostas (avô do facebook) que eu “gostava de coisas que me fazem pensar”. Na verdade, “gosto de coisas que me fazem pensar” era uma das frases que eu mais dizia quando me descrevia pra qualquer um. Pobre mini-eu.

Mas, bem, eu cresci e deixei de ser babaca (bom, julgo que sou menos agora), maaas, aposto que como castigo pelo pedantismo precoce, volta e meia esbarro com alguém que “gosta de coisas que a fazem pensar”. 

Nada contra pensar – pensar é bom, em doses controladas -, mas, sim, contra tudo o que está contido nessa frase nada inocente.

A pessoa pseudointelectocult que profere essa generalidade vaidosa está dizendo muito mais do que o tamanho da frase sugere. Primeiro, ela coloca em oposição “coisas que não me fazem pensar”, (das quais não gosta, porque não têm qualidade), e “coisas que me fazem pensar”, (das quais gosta, porque têm qualidade). Segundo, nessa segunda categoria, ela coloca tudo o que é pré-rotulado e pré-vendido como intelectual, cult, “inteligentoso”: filmes, livros, assuntos etc. Produtos que ganharam seu status de cult às custas de não serem “compreendidos” por “qualquer pessoa”, ou seja, produtos que selecionam por si mesmos “seu” público.

Mea culpa, eu era dessas. Escrevia lá no caderninho na perguntas “Qual seu programa de TV favorito?” que gostava de ver documentários interessantes ou jornal, enfim, “coisas que me fazem pensar” (não é difícil entender porque fui uma garotinha sem amigos até os 15 anos, né?). Era mentira, claro, eu a-do-ra-va novela (e ainda adoro), assistia todas com papai, que também é noveleiro (desculpa, pai, te entreguei), mas eu não podia trair a pose intelecto-chatinha.

Eis que, num dia qualquer, reparei que sempre surgiam discussões calorosas a partir de temas aleatórios nas novelas, ou de ações aleatórias dos personagens. Reparei que, sim, novela me fazia pensar. E um mundo novo se abriu: quem escolhe pensar ou não (assumindo o termo “pensar” aqui como “refletir”, ou “dedicar algum esforço de abstração na compreensão do quer que seja”) sou eu. Não dependo da “qualidade” do input. Descobri um novo sentido pra “pensar”, diferente do que é tão superficialmente valorizado pelas pessoas que se consideram cultas. A partir daí, posso construir teses elaboradíssimas sobre big brother, facebook e filmes com explosões. 

[Isso porque tudo o que conhecemos do mundo é feito de discurso, e todo discurso é produto da prática humana, que é construída pelo discurso, e assim pra sempre, num ciclo sem fim. Tudo o que fazemos para explicar e ordenar o mundo – desde nomear os seres até elaborar fórmulas, passando por mimetizar as experiências vividas e imaginadas por meio da arte – é uma forma de interagir com o mundo externo – é cultura. E toda cultura é passível de análise, reflexão, toda cultura pode estimular pensamentos mais ou menos elaborados.

Quem escolhe sou eu, a pessoa pensante. E a partir daí, não faz mais sentido dividir as coisas em categorias como “me fazem pensar/não me fazem pensar”.

É claro que o “entendimento” de algumas coisas requer um poder de abstração maior que o de outras, mas isso também pode depender da perspectiva de quem analisa. Uma novela pode ser uma historinha água-com-açúcar com um final previsível. Mas pensar no porquê ela atrai a atenção de tanta gente, e que comportamentos da sociedade que a assiste ela reproduz, e em que medida as reproduz, e como a relação patrocinador-arte funciona nesse tipo de produto, e claro, porque a gente assiste mesmo sabendo o final – que é uma pergunta meio boba, e também fundamental, parente daquela existencial “por que a gente vive se sabe que vai morrer?” – rende reflexões interessantes, consistentes e, na minha não tão humilde opinião, é melhor do que consumir outro tipo de produto simplesmente porque tem um rótulo de “produto de qualidade”.

Em outras palavras, não adianta assistir um filme iraniano só porque filmes iranianos estão na crista da onda do cool. Assistir Thor me diz muito mais sobre a minha cultura, meu tempo, meu espaço, desde que eu faça as perguntas certas.

(com o plus a mais de ter o gatíssimo do Chris Hemsworth – e daí já podemos questionar os padrões de beleza e força e masculinadade da sociedade pós-moderna capitalista nos tempos da indústria do entretenimento e suas franquias milionár- enfim, vocês entenderam).

Gosto de pessoas que sabem pensar sobre as coisas de que gostam.

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Não existe amor em BsB II

>> domingo, 3 de novembro de 2013

Brasília é feia. É concreto mal acabado. O que faz do seu coração - coração cívico e burocrático - deslumbrante é o que o emoldura e o que o ilumina. De dia, o céu azul pontilhado do branco das nuvens esparsas do inverno. De noite, as luzes que cobrem com uma aura de vida o mármore branco.

Nuble-se o céu, apaguem-se as luzes, e você é só uma tentativa de cidade, Brasília. Um esqueleto opaco e vazio.

Você não tem encanto natural, você não tem história. Sua forma não é obra do tempo - nem do geográfico nem do humano. Você é forjada, eu sei.


Eu sei porque sou como você: inventei meu céu e minhas luzes. De palavras me cubro, como elas me disfarço, num eficaz jogo de luz e sombras.

Somos, Brasília, filhas da nossa vontade. A despeito desse concreto mal acabado, desse mármore empoeirado, dessa aridez desértica, dessa carência de atrativos naturais, dessa falta de talento meu e de umidade sua, quisemos ser, artista eu, cidade você.

E nos servimos de palavras e céu azul, de sintaxe e refletores, naturalizamos o artificial, resistimos ao tempo e às comparações, insistimos em ser, artista eu, cidade você.

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Carta Ultramarina

>> segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Eis que vos escrevo da ex-Metrópole, da antiga sede do Império Colonial de Portugal, tudo aquilo que a gente aprende (ou não) nas nossas aulas de História. Uau!

É difícil começar essa primeira carta do lado de cá do oceano, porque tudo parece lugar-comum - as palavras já foram bem gastas por pessoas que realizaram seus sonhos. Por mais gastas que estejam, precisar exatamente o que é viver o seu sonho é inalcançável. Pois bem, estou vivendo o meu: estudar o que eu mais amo no mundo - justamente a arte de renovar palavras já tão usadas - num lugar que as tem usado há mais de dois mil anos, onde nasceu a língua por meio da qual eu me fiz gente.

Lugar-comum que seja, viver o sonho é mesmo isso: não saber bem a fronteira entre o vivido e o tantas vezes imaginado. Toda vez que eu passo numa rua "florbela espanca", que faz esquina com a "camões", a duas quadras da praça "almeida garret" que fica bem pertinho da "antero de quental", eu paro e penso, como o pequeno David, "is this real life?"

Nos primeiros dias, me dei o direito de ficar deslumbrada. (sim, porque todas as questões político-étnico-sociais-etc pipocam aqui o tempo todo, afinal, eu vim pra cá estudar literatura e cultura, e, sim, continuo a ser a mesma pessoa que escreveu os outros textos inflamados e apaixonados e revoltados desse blog. então sim, eu cobro a coerência da pessoa que tava gritando por vinte centavos de real há três meses e agora paga 1.500 euros numa passagem de avião intercontinental.)

Mas eu abafei todas essas vozes "istas", e me permiti estar completamente deslumbrada, como se deve ficar quando se vive seu sonho. E não foi difícil: o norte de Portugal é lindo! A minha nova Universidade é maravilhosa. O curso é excepcional. Fiquei deslumbrada, e muito. E o me sentir deslumbrada teve um poder anestesiante no impacto que é se ver de repente tão longe de vinte e três anos de memória e afeto.

Mas, apesar das luzes e dos ruídos, das ruínas e dos falares, aquela pergunta tem muita força: what is next? e agora, José?

O que se faz depois daquele momento fugaz, brilhante e "warm" que a gente chama de felicidade?

Depois é encarar o quarto vazio, os pais a 7 mil km de distância, a grana curta, o começar do zero numa universidade nova, numa casa nova, que é sua sem o ser, o "a vida de todo mundo que eu amo vai continuar sem mim", o "essa louça não vai se lavar sozinha", o "preciso comprar um edredon. e um ralador. e uma saboneteira. ah, minha primeira panela é linda!". Depois é lembrar que estou estudando cultura e identidade, e que isso é questionar o tempo todo o que é ser imigrante, de ex-colônia, da periferia de brasília, no brasil, que é periferia de portugal, que é periferia da europa - o que é ser eu, o que eu represento - quem eu represento. Depois é descobrir o quanto eu preciso de novos amigos e amores - e que tipos de amizades e amores serão esses novos, se serão amizades e amores mesmo, ou só ruído, ruído pra quem não consegue suportar o silêncio, silêncio que é solidão, solidão que é saudade, esse sentimento que me esfria de dentro pra fora, que vai ao encontro do frio que cada vez aumenta mais do lado de fora no outono do hemisfério norte.

Depois é saber que o depois é agora. E ele me exige resposta, posicionamento, trabalho. Acabaram-se as desculpas - acabou-se o trabalho burocrático e chato, mas que me servia de muleta pra não encarar que eu preciso decidir, afinal, se esse negócio de ser escritora é sério, e se for, que escrita é essa, que escritora é essa, que estilo é esse, que voz - qual é a minha voz? e depois ver que a primeira voz não presta, que ela tem verniz, hipocrisia, medo, moral e bons costumes. e me frustrar com isso, e desistir, até não poder mais e tentar a segunda vez, que também não vai prestar. e de novo, e de novo, e talvez nunca preste, que vai ver minha vocação na verdade era ser médica veterinária e eu nunca soube.


Então, amigos, como bem se vê, nós, das humanidades, nunca estamos satisfeitos. é um pensar-se sem fim, é trabalho que não chega pra uma vida. esta primeira carta ultramarina é fruto da decisão de que o blog continua, como laboratório-meio e como fim também, já que ele tem uma certa audiência e as palavras e as ideias, ainda que gastas, têm em si essa coisa fantástica que é não conhecer ou respeitar fronteiras geográficas (e foi isso, afinal, o que me trouxe tão longe!).

Com meu novo autor (Saramago) e com meu antigo autor (Verissimo), tenho visto que a vida é isso: não há genialidade que prescinda de trabalho. Ora et labora, aconselhou são bento, e como o trabalho dos escritores não está nada longe do monástico, termino assim essa primeira carta ultramarina, com saudade, e com a promessa de que a primeira não será a única.

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Uma questão de raiz

>> domingo, 29 de setembro de 2013

Hoje fiz meu BC. Meu big chop, que eu só descobri que tinha esse nome semana passada, quando googlei "transição capilar".

Foi preciso percorrer uma longa estrada capilar para chegarmos até aqui. Compartilho esse caminho pra quem tiver curiosidade, e porque, por mais bobo que pareça, é uma história que acho importante contar pra mim mesma.

Sou negra, meu cabelo é crespo. Ele cresce e enrola, é bem fininho, e bem cheio. Nas minhas fotos de criança só apareço com ele naturalmente solto quando estou em casa. Pra passear e pra ir pra escola, mamãe sempre prendia, de formas diferentes, mas puxando bem a raiz pra ficar esticadinha e deixando um rabinho (ou vários) cacheadinhos. Fazia o mesmo com o cabelo da minha irmã mais nova, que era um pouco mais crespo. Pentear o cabelo de nós duas devia dar uma trabalheira danada pra pobre da minha mãe. Quando eu tinha cinco anos, uma tia, que era cabeleireira, apareceu com uma solução mágica pra todos os problemas cabeludos dela: um alisamento super eficaz que era inofensivo até pra crianças. Seria muito mais prático pentear nossos cabelos se eles fossem lisos.

Fizemos o alisamento indicado pela minha tia. Eu com cinco, minha irmã com três anos, que passou uma versão "mais fraquinha". Resultado: cabelos lisos, escorridos, lisérrimos, que saíram inteirinhos nas nossas mãos. 

A queda capilar foi tão grande nas duas, que o único remédio foi cortar bem curtinho. Mamãe aprendeu a não ouvir mais o pitaco da tal tia, mas assim que o nosso cabelo começou a crescer, adotamos um novo alisamento, dessa vez mais fraco, como o nome de "relaxamento" (como se nossos cabelos fossem estressados, rs) e só aplicávamos na raiz. Quando eu voltei a passar química no cabelo, eu devia ter uns oito anos, tava na terceira série. Nesse meio tempo, mamãe também virou cabeleireira, e ela mesma aplicava os produtos no nosso cabelo. 

Eu nunca fui vaidosa. Morria de preguiça de pentear o cabelo, fazer hidratação e o diabo a quatro. Então, o relaxamento que eu fazia sempre que mamãe dizia que a raiz tava muito crescida, era basicamente a única coisa que eu fazia no meu cabelo. De resto, era lavar, passar condicionador, "creme do potão", como a gente chamava aquele skala, ou então o yamasterol, trim, ou tudo junto, puxar a raiz com a escova e prender. Usava o cabelo partido ao meio e preso. 

Não é que eu não quisesse ter um cabelo bonito. Eu só queria ter nascido com ele. Me parecia no mínimo injusto eu ter que alisar, hidratar, modelar etc o cabelo pra ele ficar bonito, enquanto minha coleguinha loira  do cabelo liso da escola simplesmente acordava, passava um pente e vinha pra escola, linda. Fosse qual fosse o resultado, eu queria ter o mesmo trabalho que ela pra "arrumar" o cabelo - nenhum.

Então, eu vivia conformada com o meu cabelo feio e sem nenhum atrativo especial. Odiava todo e qualquer trabalho que ele me dava. E nos dias que eu realmente queria parecer bonita, pedia pra minha mãe escovar. Ficava arrasada quando ela não podia e eu tinha que ir com o cabelo feio de todo dia na minha ocasião especial. E ficava arrasada também quando ela escovava e ficavam mais evidentes as marcas de que aquele cabelo não era "cuidado", com pontas duplas, raiz alta, frizz e tudo o mais.

No fim da oitava série, com 13 anos anos, decidi parar de prender o cabelo. Se minha coleguinha loira podia acordar e vir pra aula sem ter que ficar procurando xuxinha, eu queria poder fazer isso também. Então usava o cabelo solto, mesmo sem o corte ou a hidratação perfeita. Fiquei com medo de sofrer bullying (de novo) na escola, mas ninguém falou nada. Pelo menos não na minha frente

Quando entrei no ensino médio, comecei a pintar de vermelho, mas, com a preguiça de sempre (hmmm, fazer uma hidratação ou dormir? tirar as pontas ou ler um livro?), eu nunca fiz a tal da manutenção recomendada. Escovava o cabelo com mais frequência, e com o passar dos anos relaxando, a raiz dele foi crescendo com uma textura diferente, e a escova da minha mãe melhorou, enfim: eu gostava dele liso, escovado.

Quando eu entrei na UnB, veio a indiferença capilar completa: naquela terra estilisticamente de ninguém, tanto fazia como era meu cabelo. Ele estava bem cacheadinho na época, com a raiz frisada dos relaxamentos, e eu quase nunca o escovava. Mas quando escovava, sempre vinha um reforço positivo das coleguinhas: "nossa, como você tá linda! que cabelo lindo! ficou ótimo!" - um jeito gentil de tentar dar aquele toque "amiga, usa sempre assim, que daquele outro jeito não tá legal!".

Todo mundo sabe que reforço estético positivo é muito eficaz, por ser sutil e vir na forma elegante de um elogio. Mas aí eu já estava me politizando e enegrecendo cada vez mais (era a UnB!), e na semana seguinte, lá estava eu com o cabelo enrolado de novo.

Quando eu comecei a trabalhar no meu primeiro emprego, num órgão público, quis causar uma "boa impressão", e não chocar a sociedade com meu cabelo crespo. Eu comecei como secretária, tinha que passar uma "boa imagem", dizia uma das minhas chefes. Ia com o cabelo sempre escovado. Nos dias em que aparecia com ele natural, ouvia um "Poxa, não deu tempo de arrumar o cabelo hoje?" ou "Ah, hoje você tomou banho?" (por causa dos cabelos molhados.). Tudo em tom de brincadeira, claro.

Depois de uns seis meses resolvi fazer um tratamento de choque, não no cabelo, mas nos coleguinhas de trabalho e na tal chefe: cabelo natural e solto, de segunda a sexta, fizesse chuva ou sol, com hidratação e corte ou não. 

Os comentários acabaram.

No meio do ano passado, fiz meu último relaxamento de raiz, antes de fazer meu mochilão de um mês. Meu cabelo estava enorme, e totalmente liso, não cacheava mais. Quando voltei, decidi não alisar mais e me preparar pra assumir o cabelo totalmente crespo. Fiz isso quando achei que não sairia de uma prisão pra outra: da de ter que ter o cabelo liso, pra de ter que ter o cabelo crespo. Já tinha esclarecido pra mim mesma que escovar o cabelo de vez em quando não era "trair o movimento", e que no dia que eu não pudesse ir com o cabelo liso pra um evento importante, eu não me sentiria arrasada.

A transição capilar pode ser radical ou moderada: pode-se cortar o cabelo bem curtinho de uma vez, tirando-se toda a química, ou fazer-se cortes graduais, deixando a raiz crescer. Nenhuma das duas é fácil. Eu não quis cortar o cabelo todo de uma vez porque não me sentia corajosa o suficiente pra assumir um black curtinho. Também porque esse tal afro curtinho, ou penteado black, muitas vezes só é socialmente aceito quando repete os vícios de vaidade de quem tem cabelo liso: o cabelo crespo e curto é "compensado" por acessórios e lenços, o tempo e o dinheiro gastos com eles são os mesmos, só mudam os rótulos dos produtos.

E é aí que entra o que eu disse no comecinho desse texto, lá em cima: eu não sou vaidosa. Fim. "Cuidar" do cabelo não é uma das minhas prioridades de gasto de tempo, energia e dinheiro, nunca foi, talvez nunca seja. Ah, então eu vou ter o cabelo "feio" pra sempre? Talvez. Mas a verdade é: os cabelos naturais sempre ficarão mais facilmente saudáveis e, consequentemente, bonitos, do que os cabelos danificados quimicamente. Então a grande diferença que ter o cabelo natural fará na minha vida é essa: melhores resultados com o mesmo esforço que eu tenho pra cuidar dele hoje: lavar, passar um creme pra pentear e sair de casa.

Então, optei por fazer a transição de acordo com meus níveis de segurança e independência capilar, ou seja, a raiz do cabelo crescia à medida que diminuía minha necessidade de aceitação ou meu medo de reprovação, e à medida em que os reforços externos negativos ou positivos me afetavam menos.
E a transição mesmo fez isso: o cabelo grande, metade liso, metade crespo fica horroroso. Tô eu lá com minha moita bifásica em trocentas fotos do facebook, entre o fim do ano passado e o começo desse ano. Cabelo tosco, festas sensacionais. Em março fiz o primeiro grande corte: cabelo liso por cima e crespo por baixo. Em abril repiquei, e ele ficou com um caimento melhor, e com três texturas: crespo na raiz, liso no meio e cacheado nas pontas.


Hoje fiz meu BC. Queria que meu cabelo acompanhasse todas as transformações pelas quais estou passando. Chorei. Lembrei do tanto que essa relação com o cabelo já me fez sofrer, até o dia em que eu deixei meu cabelo pra lá, não sem ressentimento e não sem sufocar um pedaço da minha autoestima. Hoje fizemos as pazes, minhas raízes e eu. Vi no espelho uma mulher diferente. Ela parece adulta, corajosa, independente e segura. Ela me assustou. Me assustou porque ela era eu.


Essa não era uma questão de vaidade ou de estética, nunca foi. É uma questão de raiz, de identidade, de transparência.

Meus cabelos naturais mostrarão que, quando eu estiver mais atarefada com outras prioridades, não vai me sobrar tempo pra escolher um lenço perfeito ou fazer aquela hidratação caprichada. Mostrarão que, quando eu for me encontrar com alguém especial, prepararei o arranjo de flores mais bonito pra enfeitar meus cachos.

E mostraram hoje, pra mim principalmente, que eu finalmente topei o desafio de assumir essa mulher adulta, corajosa, independente e segura na qual a garotinha que procurava frustrada xuxinhas pela casa se transformou.

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Eu, Catequista

>> quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O próximo sábado, 31 de agosto, será meu último dia como catequista da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos, no Gama. Será minha primeira despedida.

***

A pequena Bruna foi batizada quando criança na igreja católica, por seus pais. Aprendeu em casa o pai nosso e ave maria, mas não recebeu uma criação religiosa específica. Desde muito nova, sentia que fazia parte de um mundo invisível, místico, mágico. Mal sabia, mas já ali recusava o materialismo terreno por uma noção mais ampla de transcendência. Na adolescência, veio a vontade de dar a essa transcendência forma e doutrina. E também de fazer da religião uma atividade de integração social, como acontecia com os seus amigos da época. 

Assim, eu participei de encontros, gincanas, cultos e todo tipo de evento das mais diversas igrejas e congregações: Igreja Batista, Assembleia de Deus, Centro Kardecista, Centro de Umbanda, Coven Wicca, e os mais diversos dentro da igreja católica.

Minha fé seguia de acordo com o sopro das amizades e das paixonites adolescentes. Antes de me decidir pelo catolicismo, flertei bastante com o culto da moda: o Wicca (relevem, o ano era 2003!), que tinha mais sensivelmente o apelo que sempre me atraiu nas religiões: algo de mágico, místico, sobrenatural, de fazer com que eu me sentisse especial e poderosa (pre-para!). 

Mas em 2004 participei de um retiro de carnaval que me apresentou a algo verdadeiramente mágico, transcendental e poderoso, mas que eu ainda não tinha: a fé. 
Até hoje, quando parece que nesse mundo não há nada além do que podemos ver, tocar e perceber superficialmente com nossos sentidos, evoco a lembrança de um momento especial daquele carnaval, que me provou de uma vez por todas que há algo mais.

Então, a fim de fazer essa coisa de ser católico direito, com 14 anos entrei na catequese da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, para poder fazer minha primeira comunhão. Celebrei com 16 anos, e nos dois anos seguintes me preparei para a Crisma, que celebrei com 18. Dos 16 aos 20 participei também do Segue-me, que me deu a exata noção de que a maior forma de amor do cristão se manifesta pelo serviço.

nadinha!
Fiquei, então, pelo menos uns cinco anos "me formando" como católica. Mesmo participando das atividades da igreja, com uns quinze anos eu saía de casa batendo porta, gritando com mãe e irmãos. Ouvi da minha mãe - que não pratica nenhuma religião - muitas vezes, enquanto batia a porta atrás de mim: "De que adianta você ir pra igreja, se continua do mesmo jeito?"

Pois bem, de que adiantava? De nada. De que adiantava dormir e acordar na igreja se eu continuava sendo arrogante, impaciente, egoísta?

Fui aprender, então, o real significado da palavra conversão. E quando finalmente o aprendi, decidi que parte da minha missão era passar isso pra frente. 2009 foi meu primeiro ano como catequista. Eram crianças de 8 a 10 anos que se preparavam comigo e minha parceira pra primeira eucaristia. Meus pequenos celebraram em 2010 e no ano seguinte eu assumi, também com uma parceira, uma turma de crisma, crianças de 14 a 16 anos. 

Neste ano, 2013, assumi sozinha uma turma de Perseverança, que é um tipo de turma na qual as crianças que concluíram a primeira eucaristia esperam ter idade para começar a preparação pra crisma. Ou seja, uma turma que não te prepara pra sacramento nenhum, e que, em tese, não tem objetivo a não fazer passar o tempo.

Não com a Tia Bruna, rs. Assumi o compromisso de fazer com que nossos encontros fossem produtivos em si mesmos, ainda que não tivessem nenhum dos Sacramentos como objetivo final.

fluxograma do filho pródigo
Ao contrário do que se possa pensar, durante os encontros, eu não fico amedrontando as crianças com o fogo eterno do inferno. Nem ensinando se é certo ou errado ser gay, divorciado, evangélico, umbandista, pai ou mãe solteiro ou transar antes do casamento.

Porque catequese não é isso - e o catequista que faz isso, digo com confiança, está muito longe de cumprir sua missão de evangelizar. Está sendo hipócrita, fariseu, e usando o discurso religioso pra propagar preconceito e afirmar algum tipo de poder.

O que eu tento passar pras minhas crianças é algo muito mais profundo, abrangente e difícil: a noção do amor cristão. Tenho que trabalhar com meus meninos a construção de valores cristãos, valores que eles não trazem mais de casa, da escola, da internet, de lugar nenhum. 

Em casa, meu menino aprendeu do pai que se ele voltar pra casa "apanhado", ele apanha de novo. Na catequese, ensino que não devemos revidar as agressões que nos são feitas. Em casa, minha menina aprende da mãe que mulher de roupa curta é piranha, e que piranhas são pessoas desprezíveis. Na catequese, ensino que todas as pessoas têm valor, que Cristo olhou com carinho para todos os "desprezíveis" de sua época, que não devemos julgar nossos irmãos pelo modo com que se apresentam.

Em casa, meus meninos aprendem que não se leva desaforo pra casa, que bandido tem que morrer, que devemos ser bons com quem for bom com eles, que eles precisam "ser" alguém na vida, que dinheiro é mais importante do que tempo com a família, que amor se troca por coisas.

Na catequese, ensino que devemos perdoar setenta vezes sete, que devemos juntar tesouros no céu e não na terra, que aquele que quiser ser o primeiro entre todos deve se fazer o menor servo, que bem aventurados são os pobres, os humildes, os mansos de coração.

Nesses cinco anos, tive altos e baixos na minha fé, na minha proximidade com Deus, na minha força para seguir seus mandamentos e os da igreja católica. Mas a cada sábado, durante as duas horas em que eu estava com as crianças, me sentia mais íntima, confiante e forte do que nunca. Se ensinar é um gesto de amor, catequizar é o gesto de serviço e desprendimento que faz com que esse amor seja multiplicado e duradouro. 

Não me sinto hipócrita por ensinar algo que não pratico - porque eu não faço isso. Ensino que se deve dar atenção dando atenção, que se deve ter respeito dando respeito, que se deve ter paciência tendo paciência, que não se deve julgar não julgando, que se deve rezar rezando, que se deve perdoar perdoando. E que é normal cometer erros, e que eles não são motivo de vergonha ou culpa, mas uma oportunidade de se aproximar mais de Deus pela sua infinita misericórdia.

Jogando queimada com as crianças - cadê a catequista?
Ser catequista me faz ser uma cristã melhor, uma pessoa melhor. Me faz ter contato direto com a juventude da minha comunidade, com o que eles ouvem, assistem, jogam, brincam, aprendem na escola. Impede que eu perca a proximidade com o lugar de onde eu vim e onde me criei. Me faz ver que meu trabalho na vida de cada criança faz diferença. Que elas crescem, amadurecem e aprendem através do meu amor, da minha atenção e da minha dedicação. E isso, amigos, nada mais é do que a definição de realização pessoal.

***






Estou me mudando para Portugal e deixando minha turma, minha paróquia, minha comunidade. Minha despedida será feita colocando em prática o que a gente tenta aprender dentro da igreja. Faremos uma visita à Casa do Menino Jesus, uma instituição no Gama que dá apoio a crianças pobres de regiões afastadas dos centros que vêm fazer tratamento de alguma doença crônica nos hospitais de Brasília, e às suas mães. 

Não vou levar meus meninos lá pra dar um "choque de realidade" e dizer "olha como suas vidas são ótimas perto das vidas dessas pobres criancinhas doentes". Não. Vamos levar companhia, teatro, olhares, atenção, abraços, sorrisos. Vamos criar pontes entre crianças, mostrando que elas são mais parecidas do que diferentes e que suas diferenças não necessariamente devem afastá-las. 

s2
Será minha despedida, será dia dia de festa, dia de transbordar de amor e de mostrar muita gratidão por tudo o que o "ser catequista" fez por mim. 

Será um dia feliz, que antecederá muitos dias de amorosa saudade.




[Para ajudar a Casa do Menino Jesus também, clique aqui]



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