Coisas que fazem a gente pensar

>> segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Quando eu era uma pseudo-cult mirim da periferia – alguém chata pra caramba -, eu gostava de dizer, naqueles caderninhos de perguntas e respostas (avô do facebook) que eu “gostava de coisas que me fazem pensar”. Na verdade, “gosto de coisas que me fazem pensar” era uma das frases que eu mais dizia quando me descrevia pra qualquer um. Pobre mini-eu.

Mas, bem, eu cresci e deixei de ser babaca (bom, julgo que sou menos agora), maaas, aposto que como castigo pelo pedantismo precoce, volta e meia esbarro com alguém que “gosta de coisas que a fazem pensar”. 

Nada contra pensar – pensar é bom, em doses controladas -, mas, sim, contra tudo o que está contido nessa frase nada inocente.

A pessoa pseudointelectocult que profere essa generalidade vaidosa está dizendo muito mais do que o tamanho da frase sugere. Primeiro, ela coloca em oposição “coisas que não me fazem pensar”, (das quais não gosta, porque não têm qualidade), e “coisas que me fazem pensar”, (das quais gosta, porque têm qualidade). Segundo, nessa segunda categoria, ela coloca tudo o que é pré-rotulado e pré-vendido como intelectual, cult, “inteligentoso”: filmes, livros, assuntos etc. Produtos que ganharam seu status de cult às custas de não serem “compreendidos” por “qualquer pessoa”, ou seja, produtos que selecionam por si mesmos “seu” público.

Mea culpa, eu era dessas. Escrevia lá no caderninho na perguntas “Qual seu programa de TV favorito?” que gostava de ver documentários interessantes ou jornal, enfim, “coisas que me fazem pensar” (não é difícil entender porque fui uma garotinha sem amigos até os 15 anos, né?). Era mentira, claro, eu a-do-ra-va novela (e ainda adoro), assistia todas com papai, que também é noveleiro (desculpa, pai, te entreguei), mas eu não podia trair a pose intelecto-chatinha.

Eis que, num dia qualquer, reparei que sempre surgiam discussões calorosas a partir de temas aleatórios nas novelas, ou de ações aleatórias dos personagens. Reparei que, sim, novela me fazia pensar. E um mundo novo se abriu: quem escolhe pensar ou não (assumindo o termo “pensar” aqui como “refletir”, ou “dedicar algum esforço de abstração na compreensão do quer que seja”) sou eu. Não dependo da “qualidade” do input. Descobri um novo sentido pra “pensar”, diferente do que é tão superficialmente valorizado pelas pessoas que se consideram cultas. A partir daí, posso construir teses elaboradíssimas sobre big brother, facebook e filmes com explosões. 

[Isso porque tudo o que conhecemos do mundo é feito de discurso, e todo discurso é produto da prática humana, que é construída pelo discurso, e assim pra sempre, num ciclo sem fim. Tudo o que fazemos para explicar e ordenar o mundo – desde nomear os seres até elaborar fórmulas, passando por mimetizar as experiências vividas e imaginadas por meio da arte – é uma forma de interagir com o mundo externo – é cultura. E toda cultura é passível de análise, reflexão, toda cultura pode estimular pensamentos mais ou menos elaborados.

Quem escolhe sou eu, a pessoa pensante. E a partir daí, não faz mais sentido dividir as coisas em categorias como “me fazem pensar/não me fazem pensar”.

É claro que o “entendimento” de algumas coisas requer um poder de abstração maior que o de outras, mas isso também pode depender da perspectiva de quem analisa. Uma novela pode ser uma historinha água-com-açúcar com um final previsível. Mas pensar no porquê ela atrai a atenção de tanta gente, e que comportamentos da sociedade que a assiste ela reproduz, e em que medida as reproduz, e como a relação patrocinador-arte funciona nesse tipo de produto, e claro, porque a gente assiste mesmo sabendo o final – que é uma pergunta meio boba, e também fundamental, parente daquela existencial “por que a gente vive se sabe que vai morrer?” – rende reflexões interessantes, consistentes e, na minha não tão humilde opinião, é melhor do que consumir outro tipo de produto simplesmente porque tem um rótulo de “produto de qualidade”.

Em outras palavras, não adianta assistir um filme iraniano só porque filmes iranianos estão na crista da onda do cool. Assistir Thor me diz muito mais sobre a minha cultura, meu tempo, meu espaço, desde que eu faça as perguntas certas.

(com o plus a mais de ter o gatíssimo do Chris Hemsworth – e daí já podemos questionar os padrões de beleza e força e masculinadade da sociedade pós-moderna capitalista nos tempos da indústria do entretenimento e suas franquias milionár- enfim, vocês entenderam).

Gosto de pessoas que sabem pensar sobre as coisas de que gostam.

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