do diário dela - Dia dos namorados

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Terça-feira, 12 de junho de 2012
Dia dos namorados
Maceió- AL                   

Diante do quebrar das ondas que a tantos poetas já inspirou amorosos versos, peno nesse dia marcado no calendário do consumo para que a gente se lembre que o que a gente quer mesmo na vida é amar e ser amado – de preferência pela mesma pessoa.

Porque a mais independente das pessoas pode fugir dessa reflexão todos os outros dias – menos hoje. O dia dos namorados está aí onde há comércio – em todo lugar – e te pede – pede não, exige – uma posição: um lamento, um “nem ligo”, um “sou paciente”, um “encontrei o (ou um) amor da minha vida”.
Desde que me lembro, eu sempre passei o dia dos namorados apaixonada. Sempre pensei que um dia alguém o passaria apaixonado por mim.
Esse era o sonho da adolescente de 13 anos que já pensava nas lindas e românticas surpresas que faria e receberia de seu amado. Para o azar dela, as datas demoraram a coincidir. Aos 14 anos namorou, mas lá estava solteira de novo antes do início do funesto mês de junho – “Cheguei tão perto!” Às vésperas do dia dos namorados implorou à mãe que comprasse um aparelho de DVD –2004, coisa moderna e cara! – para que ela pudesse fugir da programação açucarada e quase ditatorial da TV.
Quatro anos mais tarde, em 2008, e já desadolescendo, mal pode conter – não quis conter! – a alegria antecipada – um mês antecipada! – de passar um primeiro dia dos namorados acompanhada e feliz. Na cabeça dela, 24 horas seriam muito pouco pra realizar 18 anos de fantasia romântica.
O azar da heroína foi namorar alguém para quem aquele 12 de junho de 2008 era aparentemente mais um dia comum: dia de faculdade, estágio e casa.

Que azar! Que azar! A jovem mais fantasiosamente romântica estava namorando o ser mais desapegado de datas que ela poderia encontrar! Mas quem era ele pra contradizer 18 anos de expectativa?
Ente aquele “faculdade, estágio e casa”, ela encaixou um almoço e um balão heart shaped. (Os presentes vieram depois, fora do dia mágico, do dia esperado, do dia sonhado, do dia místico!)

Não foi o helicóptero jogando pétalas de rosas vermelhas puxando uma faixa escrita EU TE AMO, BUNZUNGUINHA que ela sempre imaginou, mas foi bom. Foi real.
Nos anos seguintes, quanto mais eu me esforçava para mostrar pro cara desapegado o quanto datas eram significativas, mas eu começava a duvidar de que eram mesmo. Por preguiça, talvez por uma pontinha de frustração de nunca ter tido o meu helicóptero com pétalas – essas mulheres! Nunca estão satisfeitas! -, mas principalmente por entender – e acreditar, finalmente – que as grandes provas de amor – e não as orkúticas e superestimadas “demonstrações públicas de afeto” – são discretas mesmo, do dia-a-dia mesmo, desse dia a dia cinza sem corações, sem música e sem velas – e essas eu tive, muitas.
Nesse primeiro dia dos namorados sozinha, depois de quatro anos, a já (pretensamente) adulta que vos escreve relembra, ao som do quebrar das ondas, nos vários e variados amores “eternos” que teve e se acabaram, nas saudades que sente e nas paixões que vive e viverá – se é que as viverá.
Reflete que, namorando ou não, essencial é estar enamorado. Ela, talvez mais agora do que em qualquer momento anterior, está enamorada da vida, que, apesar de ter lhe tirado aquele grão de areia que a muito custo se transformou em pérola, na sua preciosa pérola (para ficarmos nas metáforas marítimas) tem lhe oferecido conchinhas das mais variadas cores e tamanhos (e nacionalidades!) que, sendo frágeis e sem valor, ainda podem, juntas, formar um belo colar! (é, uma vibe roots!)
 ***

Vivo do amor que sinto e das paixões que alimento: pela literatura, por viajar, pelas pessoas em geral e por pessoas em particular. Nesse dia dos namorados mando saudações a todos que se permitem viver suas paixões – lembrando que paixão e sofrimento são semanticamente inseparáveis!
Quanto a mim, para os dias dos namorados que virão – se é que virão –, não sonho mais helicópteros ou pétalas. O que quero é a sorte de um amor tranquilo, a alegria de ter um companheiro com quem multiplicar a vida. Estar sozinha é bom, mas o desejo desse meu coração ambicioso é ser dois.

Feliz dia dos namorados aos casais queridos e aos solteiros que quero!

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avulsas #4

>> segunda-feira, 4 de junho de 2012

De Erico Verissimo: O tempo e o vento, Parte 3, Vol. 1 - O arquipélago, 2005, p.246

Qualquer dia por vingança o velho sino da Matriz estará dobrando para anunciar a Santa Fé a morte do Dr. Rodrigo Terra Cambará.

Num misto de auto-sarcasmo e autopiedade imagina o próprio funeral. Luto no Sobrado. A rua apinhada de gente. Decidem levar o caixão a pulso, até a metade do caminho.Depois metem-no naquele repulsivo carro fúnebre do Pitombo, com figuras douradas em relevo nos quatro ângulos (uns anjos com cara de tarados sexuais) e aqueles matungos com plumas pretas nas cabeças. Tráfego interrompido nas ruas por onde passa o cortejo. Uma fileira interminável de automóveis... Santa Fé em peso no enterro. O comandante da Guarnição Federal. O Prefeito. O Juiz de Direito, enfim, todas essas personalidades que A Voz da Serra classifica como "pessoas gradas". O cafajeste do Amintas também lá está, com uma fingida tristeza no rosto escrofuloso. Mas quem é a moça que vai sozinha ali naquele auto, com cara de forasteira, toda vestida de preto e com óculos escuros? Então não sabem? É a amante do Dr. Rodrigo. Verdade? Mas que jovem! Pois é, podia ser filha dele. O patife tinha bem-gosto.

Agora o cortejo está no cemitério à frente do mausoléu dos Cambarás. (Rodrigo remexe distraído a canja, com a colher.) O falecido pediu antes de morrer que não deixassem sua cara exposta à curiosidade pública. É por isso que não abrem o caixão. Fala o primeiro orador. Quem é? Pouco importa: Mas como diz besteiras! Fala o segundo: vomita também um amontoado de lugares-comuns. Nunca, ninguém, nem os filhos do morto, nem sua mulher, nem seus melhores amigos poderão fazer-lhe justiça. Porque ninguém na verdade o conhece. Viram dele apenas uma superfície, um verniz externo. Ninguém chegou a compreendê-lo na sua inteireza, na sua profundeza. E depois que o deixarem entaipado no cemitério, a cidade continuará os seus mexericos, as suas maledicências, lembrando-se apenas daquilo que se convencionou chamar de de defeitos do dr. Rodrigo Cambará. E ele morrerá desconhecido como viveu. Desconhecido e caluniado, o que é pior. Mesmo os elogios dos oradores serão insultos. Ah! como gostaria de fazer um discurso ao pé do próprio cadáver! Não seria uma oração de provocar lágrimas, não. Ia contar verdades, lançá-las como pedradas na cara de todos aqueles hipócritas.Porque, com a exceção dos que realmente o amavam - alguns parentes, poucos amigos -, os outros lá estavam por obrigação social ou por puro prazer sádico. Eram uns invejosos, uns despeitados. uns covardes, uns impotentes! Não podiam encontrar um homem autêntico que não sentissem logo desejo de vê-lo destruído e humilhado. Era-lhes insuportável o espetáculo dum macho que tem a coragem de agarrar a vida nos braços, ser o que é, dizer o que pensa, fazer o que deseja, comer o que lhe apetece. Foram quase todos ao enterro para assistirem ao fim daquele monstro, para terem a certeza de que ele ia ficar para sempre encerrado no jazigo, a apodrecer... Tiveste a coragem de viver? Agora paga! E todos aqueles necrófilos, todos aqueles moluscos podiam voltar tranquilos para suas casas, para suas vidinhas apagadas, para as esposas que detestavam mas com as quais eram obrigados a viver e a dormir, para seus probleminhas sem beleza, para as dificuldades financeiras do fim do mês, para a azeda rotina cotidiana, para seus odiozinhos, suas birrinhas, suas mesquinhas invejas, para seus achaques - em suma - para todas aquelas coisas pequenas e melancólicas de seu mundinho de castrados!

Canalha! Só de pensar nestas coisas Rodrigo sente que tem a obrigação de não morrer.

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