Palhaço por vocação

>> sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Depois da onda politizada que invadiu esse blog, resolvi escrever sobre a segunda coisa que me emocionou de alguma forma nessa semana.

Assisti na última terça-feira o filme O palhaço, do Selton Mello. Fui pega de surpresa por um filme que veio falar diretamente com as minhas crises e neuras desse ano complicado de 2011.

Se você não conhece o filme, antes de ler o comentário que segue de uma expectadora comovida, sugiro que você clique aqui e volte daqui uns 10 minutos e alguns cliques.

 As boas e positivas críticas do filme têm apontado o cuidado da direção de arte, os acertados planos geométricos, a justa homenagem aos circos itinerantes e aos grandes ícones da comédia brasileira, o bom gosto da trilha sonora, entre outros desses aspectos técnicos e artísticos.

Meus aspectos são puramente emotivos. A história de Benjamin é também a minha história - ou uma história que poderia ser minha.

(a partir daqui o texto tem informações sobre o desenrolar e o final do filme)

A história de Benjamin é a história de alguém que está saturado do seu trabalho - saturado de viver o circo dentro e fora do picadeiro, como palhaço e como administrador. Saturado de ter que ser "o" responsável por tudo o que acontece, de ser o balcão de reclamações dos outros integrantes do circo, de ter tanta coisa pra resolver.

Quando essa saturação chega a um nível crítico, algo de fora parece convidá-lo a sair dessa realidade de trabalho e problemas a serem resolvidos. O ventilador. O ventilador é movimento, e está em todos os lugares - menos no circo.O ventilador é aquilo de novo que vai trazer alguma forma de alívio e que ele só vai encontrar se estiver fora do circo.

Enquanto essa alucinação que está fora chama nosso amigo Benjamin, por dentro, a confusão só aumenta: "Eu faço todo mundo rir... mas quem é que vai me fazer rir?". Benjamin não sabe mais qual é sua vocação. Não sabe mais ser palhaço, e parece não saber mais interagir com as pessoas, porque está ocupado num tremendo esforço interno de descobrir quem ele é. Quem o vê de fora acha isso "engraçado" (quantas vezes você já esteve na preseça de uma pessoa internamente confusa ou em contradição e disse "você é engraçado?)

Quando o convite daquilo que é externo torna-se irresistível, Benjamin decide partir. Entrega-se ao novo com coragem e determinação, na busca ansiosa de descobrir se esse novo preencherá o vazio que ele sente.

Não preenche. Num ato ainda mais corajoso, Benjamin volta. Volta porque, longe, descobriu novamente a alegria de fazer alguém rir. No final feliz do filme de Selton Mello, Benjamim tem a coragem de voltar para o que abandonou - não porque estivesse arrependido, se não tivesse partido nunca reconheceria sua vocação, mas porque só a distância de tudo o que ele conhecia e amava pôde reconciliá-lo com sua própria identidade.

***

Conhecemos outros finais não tão felizes em que a distância só aumenta a angústia e a solidão, e a frustração e vergonha de ter ser se venturado no novo e  não ter dado certo impede tantos palhaços de voltar pra casa; ou em que falta a coragem de largar tudo, e o palhaço termina encerra seus dias fazendo os outros rirem de sua própria tristeza. Em outro tipo de final feliz, Benjamin poderia ter descoberto que o Aldo da Aldo Auto Peças era na verdade pai de Ana, poderia ter se casado com ela e mandado um cartão de natal com uma foto de sua família para o circo, ou visitado o circo com a sua prole.

O final não importa muito. O importante é a coragem de buscar. A coragem de enfrentar suas angústias, de perseguir o novo - ou o ventilador, de reconhecer que o presente não está bom do jeito que está - por mais que a gente ame o lugar e as pessoas desse presente.

***

Em pouco mais de uma hora, vemos Benjamin começar e resolver sua crise de vocação e identidade. Quando eu disse ali em cima que essa poderia ser também a minha história, não quis dizer que também vou abandonar o circo em que vivo e ir atrás de ventiladores. Quis e quero dizer que a minha história também é a de alguém que está buscando e se questionando. Mas, em vez de pouco mais de uma hora, espero ter uma vida inteira para achar meu final - torçamos para que seja feliz - ou meu ventilador, ou meu picadeiro. Ver Benjamin encontrar seu caminho foi como ver um alguém que acaba de enfrentar um desafio que estamos prestes a enfrentar e pensar: se ele conseguiu, eu também consigo!

- O gado bebe leite, o rato come queijo, e eu? Eu pergunto.

Read more...

Refém da informação

>> quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Estive alheia aos acontecimentos dessa semana na USP até o início da manhã de hoje. Ouvi falar sobre o assunto, mas não quis ir atrás de entender melhor o "bafafá" pra opinar porque pensei que fosse só mais uma ocupação de estudantes dessas que nós estamos acostumados aqui na UnB.

Quando a minha página do facebook foi inundada pela já "emblemática" reportagem da revista Veja sobre a ocupação, me rendi à curiosidade e li a tal da matéria: uma explosiva combinação de irresponsabilidade, deboche e falta de compromisso com a notícia.
Com uma ironia mais do que forçada, nada sutil, nada profissional, nada ética, o "jornalista" escreveu o que qualquer direitista conservador falaria sem pensar duas vezes, muito tranquilamente, entre os amigos (ou pra provocar as inimizades) ou nas suas redes sociais - como muitos fizeram, com todo o direito, e não há nada de errado nisso. 

Mas quando esse comentário pessoal ganha a projeção de uma revista de circulação nacional, status de voz do povo, de prova testemunhal irrefutável, de fato jornalístico, fruto de uma investigação conprometida, há algo de muito errado, de muito preocupante, algo que mexeu comigo de uma forma que eu mesma não consigo explicar, e me motiva a escrever esse texto agora.

Fui, então, procurar outras fontes para me informar. Reportagens do G1, Folha de S. Paulo, Estadão e outros desse calibre repetiam mecanicamente o mesmo discurso,palavra por palavra: "meia dúzia de estudantes maconheiros vandalizaram a Reitoria, salve a polícia, defensora da pátria, de seu patrimônio e dos demais cidadãos de bem, inclusive você, querido leitor!"

Me senti refém da mídia. Quis saber mais sobre o assunto mas não consegui. Não pude achar sequer uma reportagem séria, minimamente respeitosa, que não fosse contaminada por um deboche rasgado ou uma paixão política inflamada, tanto de direitistas quanto de esquerdistas. Somente lendo artigos de opinião (obrigada às amigas uspianas pelas indicações) assinados por pessoas que tem posições políticas claras e públicas - e que não quiseran elevar seu discurso ao status de verdade absoluta - pude ter uma ideia do que aconteceu.

O objetivo desse post não é dizer quem está certo ou errado nessa história. Estudantes e polícia entram em choque desde sempre, defensores de uns e de outros têm todo o direito de divulgar suas opiniões sobre o assunto, fortalecendo o debate histórico-ideológico. 

A pretensão é de que fique aqui registrada uma preocupação muito forte, muito séria, com o estado da nossa mídia. A pretensão é de que fique aqui registrada a vontade que eu tenho agora de ajudar a construir e consolidar uma terceira opção de mídia, de comunicação, que não seja isso que se chama de "grande mídia", que dispõe de todos os recursos econômicos e influências políticas pra armar o circo que quiser, dar a notícia que quiser; nem seja a suspeita e autoproclamada democracia digital que resulta em um monte de gente compartilhando reclamações e declarações aleatória e irrefletidamente, gritando, se irritando, xingando, "se indignando", produzindo um barulho ensurdecedor que não frutifica, que não reverbera, que não espera pra escutar uma resposta. Que compartilha e fecha a página, que "curte" e faz logout.

Que terceira opção seria essa? Ainda não sei. Sei que não será imparcial, imparcialidade é um mito. Sei que não será apolítica, porque viver em sociedade é se relacionar politicamente. 
Torno público esse texto na esperança de que ele encontre leitores pensantes, críticos, divergentes, comprometidos,  que possam compreendê-lo, e, quem sabe, respondê-lo, contradizê-lo, frutificá-lo - na esperança de que ele já seja o começo dessa terceira via de comunicação, informação e troca de ideias que procuro.

Read more...

Eu, mestranda #2

>> domingo, 25 de setembro de 2011

O prazo para as inscrições no PPG em Literatura do TEL termina essa semana, dia 28! Aproveito pra fazer mais um post sobre a vida de mestranda (para ler o primeiro, clique aqui).

Semestre passado fiz duas matérias, uma sobre literatura e morte e a outra sobre literatura e memória. As duas trataram de temas afins à minha futura dissertação - mas nem sempre é assim, às vezes, por causa do horário, os mestrandos acabam fazendo matérias que não tem relação nenhuma com a pesquisa deles.
Nesse semestre dei sorte de novo - estou fazendo mais duas matérias (as últimas!), uma é "Seminário avançado em teoria da literatura", em que um teórico é abordado em profundidade - e, no caso, o teórico é Bakhtin, justamente o teórico chave da minha dissertação. A outra é "Literatura e estudos interartes", que também vai me ajudar na dissertação, já que eu vou trabalhar na compração de um dos "meus" romances com a linguagem fragmentada cinematográfica.

Já comecei a escrever! E não tá fácil, viu? A cobrança é bem maior do que na monografia, por exemplo, e a responsabilidade pelo que a gente escreve também é maior. Maaaas, se tudo der certo, a essa altura do ano que vem eu já serei Mestre! Para isso acontecer, eu preciso tomar vergonha na cara e parar de perder tempo na internet - acho que isso inclui postar no blog...

As crises existenciais do começo estão menos frequentes - agora eu já não duvido tanto de ter feito a coisa certa ao escolher continuar estudando. Por mais que seja trabalhoso, difícil e cansativo, eu sinto que não poderia estar fazendo outra coisa! Estou realizando meu sonho da graduação de estudar só literatura, de ter professores comprometidos e não-picaretas, que realmente têm muito a me ensinar, de ter autonomia pra escrever e não escrever só o que o professor quer ler, de conhecer pessoas que gostam tanto de literatura quanto eu - e com elas compartilhar angústias e descobertas.

Por outro lado, aguardo ansiosamente não ter mais que escrever com prazos, poder ler os livros que me der na telha, sem ter que resenhar, anotar, enfim, pensar - aproveitar a literatura pela literatura, como lazer, como arte, e não como ferramenta de trabalho (há quanto tempo não faço isso!)

Aos coleguinhas que farão a seleção, boa sorte! Espero estar ouvindo as histórias de vocês no semestre que vem! Precisamos de pessoas que pensem literatura, que pensem o mundo por meio da literatura, que enxerguem as contradições, misérias e virtudes do mundo por meio da literatura! Para mim, esse é um modo mais honesto, mais auto-consciente de suas limitações e parcialidades, e que por isso mesmo busca libertar-se delas, de pensar o mundo, o homem, a cultura... claro, isso pra quem ainda acha importante pensar!

Eu provavelmente vou diminuir as aparições aqui, porque preciso escolher entre a vida social real e a vida social virtual... quanto menos tempo eu gastar nos meios internéticos, mais tempo eu vou ter pra realmente ver as pessoas sem que isso afete minha rotina de estudos. Além disso, quando o blog - que é pra ser um hobby - passa a olhar pra mim com exigências - como quem diz "me atualiza, me atualiza", ele deixa de ser divertido e passa a ser uma obrigação - e eu já tenho muitas! Escrever é algo que eu adoro fazer nos momentos livres mas, como esses momentos estão cada vez mais raros, vou escolher passá-los com uma "atividade mais ativa" e menos pensante. Pensar, pra mim, agora, é um ofício, e não uma consequência do ócio.

Espero um dia fazer da escrita também um ofício. Quem sabe, né? Até lá!



Read more...

Cine Clube Cult #2

>> sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Ingmar Bergman e seu instrumento enorme
Como prometido, agora faço o comentário sobre os outros dois filmes da primeira edição do Cineclube. Morangos Silvestres é do sueco Ingmar Bergman. O filme é em sueco, então eu precisei confiar totalmente nas legendas. É em preto e branco, de 1957 e conta a história de um senhor que precisa viajar pra receber um título honorário por seus cinquenta anos de carreira. Na véspera da viagem ele tem um sonho em que aparece morto, e decide viajar de carro e não mais de avião. Durante essa viagem ele revisita o seu passado, os momentos mais marcantes da vida dele e reavalia sua trajetória e seus relacionamentos até ali. 

Professor Isak - Morangos Silvestres
O contato entre presente e passado se dá quando, no meio da viagem, ele encontra a velha casa que foi de seus avós, e a lembrança dos morangos silvestres que haviam no jardim faz com que esse passado se presentifique. (daí o título do filme ser morangos silvestres - uma outra forma de dizer "memória afetiva")

De 57 pra cá, essa história do velho meio ranziza que revê seus erros quando está perto da morte já foi filmada e refilmada muitas vezes, mas acho que ainda assim vale a pena ver o filme! A música é linda, tem um ar de sonho e de passado, e, claro, a gente começa a pensar na nossa própria trajetória até aqui. Pra quem é ou quer ser acadêmico, acaba sendo meio deprê. Isso porque o personagem principal, Professor Isak Borg faz pra si mesmo perguntas do tipo: "O que eu fiz até aqui? Consegui fazer com que alguém me amasse? De que adiantou tanto estudo? De que me serve esse Título? De que vale essa carreira como médico? Estou velho, sozinho e sou odiado...", forçando a gente a pensar na nossa própria vida...
Um filme bonito (a Suécia é linda!), com música bonita e de muita sensibilidade em relação à avaliação que se faz da vida quando se teme a morte, o juízo individual que cada um faz de seus arrependimentos, remorsos e expectativas. Gostei, não dormi, recomendo!

Luis Buñueeeeeel
O segundo filme foi O Anjo Exterminador, do cineasta surrealista mexicano Luiz Buñuel, brother do pintor espanhol Salvador Dalí. A historinha do filme é curta: a galera da high society tá reunida pra um jantar, todo mundo bonito, moçoilas tocando piano, rapazes contando anedotas, tudo do bom e do melhor. Tarde da noite uma parte dessa galera vai embora e a outra fica. Os que ficam vão ficando, vão ficando... e de repente começam a acreditar que eles ficaram porque não podem sair, afinal, se eles pudessem sair, já teriam saído. Entendeu?
Pois então, ninguém sai! os dias passam, a comida vai acabando, a água vai acabando, e principalmente, o respeito e a civilidade também...

A gente que tá assistindo se sente preso com eles também! Um dos recursos que o Buñuel usa pra fazer isso é a falta de cortes claros entre as cenas - a câmera se movimenta dentro do salão que vira prisão imaginária, indo de um diálogo para o outro, de um canto para o outro sem mudança de sequência, sem alternar com uma cena externa, sem dar um tempo pra gente respirar (como bem observou o segundo membro do cineclube, Jhonathan). Assim, acho que as reações/impressões são duas: a primeira de se sentir sufocado e preso também, e a segunda, de ver alguém errando e não poder fazer nada. Sabe aquela agonia que a gente sente quando vê aquele coleguinha que faz besteira, sabe que tá fazendo besteira, e mesmo assim não sai do erro porque não tem coragem ou porque acha que não consegue? (não sei vocês, mas isso me dá muita agonia!). Então, o sentimento é parecido. Porque a gente SABE que não tem nada impedindo que eles saiam, a gente quer que eles saiam, mas eles não saem! insistem na paranoia! AAAH, QUE VONTADE DE ENTRAR NA TELA E ENXOTAR ESSE POVO!

O Anjo Exterminador (com todo mundo arrumadinho ainda)
Luis Buñuel novinho, curte a cara de maluco!















Enfim, gostei também, recomendo, só não saquei o porquê do nome. Eu estava esperando realmente um anjo que viesse e matasse todo mundo, hehehe, mas não é bem isso que acontece. Se alguém souber o porquê do filme ter esse nome, compartilha com a coleguinha aqui.



Esses foram os primeiros filmes do CineClubeCult, domingo agora, dia 18, tem mais. Dessa vez teremos um gostinho de cinema italiano: Antonioni, Pasolini e Fellini (eu sei, parece nome de macarrão), e os filmes já serão coloridos! (aeeee) Os três são dos anos 60, e tem um que é do ano que mudou o mundo - 1968. Estão todos (todos que me conhecem e sabem onde eu moro, claro) convidados!


Read more...

Cine Clube Cult #1

>> quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Como os coleguinhas que me tem no Facebook sabem, esse semestre estou fazendo uma matéria no mestrado que demanda um conhecimento de cinema. Eu, como boa consumidora de massa que sou, não entendo nada de cinema (do tal de "Cinema de Arte"). Sei só de romance, explosões, invasões alienígenas e ameaças de destruição em massa à Terra/Estados Unidos.

Para aproveitar o embasamento teórico da matéria, eu preciso conhecer os filmes, ter noção da história da evolução do cinema, tal e coisa. Depois de conferir essa parte na wikipedia, baixei adquiri de forma gratuita alguns dos filmes sugeridos pela professora, e chamei os coleguinhas para assistir comigo.

Os filmes que assistimos (sim, eu uso assistir filmes, como verbo transitivo direto, deal with it!) na primeira edição do Cine Clube Cult foram Tempos Modernos, de Charlie Chaplin, Morangos Silvestres, de Ingmar Berman (sueco!) e O Anjo Exterminador, do mexicano Luis Buñuel. Para ver os resumos e críticas consagradas, google it! Aqui vou dar minha opinião leiga e fanfarrona.

Mas, antes, procurando sinônimos para não ficar repetindo "cinema", eu pensei em Sétima Arte. E aí eu descobri que eu não faço a menor ideia de quais são as outras seis! E nem você! Aí estão (wikipedia, aee):

  • 1ª Arte - Música (som);
  • 2ª Arte - Dança/Coreografia (movimento);
  • 3ª Arte - Pintura (cor);
  • 4ª Arte - Escultura (volume);
  • 5ª Arte - Teatro (representação);
  • 6ª Arte - Literatura (palavra);
  • 7ª Arte - Cinema (integra os elementos das artes anteriores mais a 8ª e no cinema de animação a 9ª).
Essas 7 são as originais. Depois foram acrescentadas artes mais modernosas, e manifestações que eram consideradas técnicas ou práticas ganharam status de arte também:

Quer dizer que esse tempo todo eu estudei a 6ª arte sem saber? Que bonito!


Eu nunca havia assistido nenhum filme do Chaplin. Só tinha visto os trechos clássicos e talz. Se você é daqueles que dá RT em frase dele sem nunca ter visto um filme, assista! É uma delícia! É mudo, é em preto e branco, mas é uma delícia! A música é linda e tocante, a música ajuda a contar a história e os diálogos são totalmente dispensáveis. Chaplin tem um olhar tão forte, tão expressivo, que é difícil acreditar que ele se expressava de outro jeito que não por esse olhar!
Assistir Tempos Modernos é um ótimo jeito de entender a situação americana pós-29. Lá a gente vê também que os grandes trapalhões e comediantes da nossa infância 90 tiveram Chaplin como grande referência e modelo - de Chico Anysio ao Didi - os trejeitos, as quedas, as trapaças, os mal-entendidos, que a gente já viu e reviu desde criança, estão todos lá naquele palhaço-vagabundo de chapéu e bengala - e são engraçados e emocionantes!  
Gostei muito do filme, da música, e, principalmente, desse olhar do Chaplin, que parece que ao mesmo tempo em que vê "além", vê "dentro"! Quero ver agora O grande ditador
Como eu falei, pra ver a historinha do filme, e prêmios e contextos e talz, procurem no google. Aqui está a impressão - talvez com alguma reflexão - de uma espectadora que entrou na sessão de exibição da sétima arte com quase 100 anos de atraso.



No próximo post comento os dois outros filmes!


Read more...

Populares Anônimos - [parte 2]

>> segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Chegou agora? Leia a parte 1.

***

Boa noite! - aquela voz suave e ao mesmo tempo marcante emudeceu os pensamentos subversivos dela - Vamos começar? 
Levantou a cabeça e interrompeu a releitura daquele panfleto que tinha nas mãos, ainda duvidando da seriedade daquele grupo de autoajuda. Procurou localizar no círculo de onde partia aquela voz tão gostosa de se ouvir e encontrou uma moça com não mais de 30 anos, com a pela dum moreno claro, como um café com leite com mais leite do que café. Os cabelos, longos e ondulados, estavam partidos ao meio e caiam pelos seus ombros emoldurando um rosto bonito, embora sem nenhum traço que se destacasse entre os demais. Um rosto harmonioso e bonito. 

Enquanto trabalhava decidindo se gostava ou não desse novo rosto descoberto entre tantos outros, a moça cor-de-café-com-leite-com-mais-leite-do-que-café continuou falando:

- Boa noite. Bem vindos ao Populares Anônimos, um grupo de autoajuda que procura ajudar pessoas que sofrem. Nós estamos aqui porque temos um problema. Somos viciados em popularidade. E isso tem nos afastado dos familiares, tem nos feito contrair dívidas, tem afetado nossos relacionamentos íntimos, tem nos feito desacreditar na vida. Mas aqui no PopA descobrimos que não estamos sozinhos e não somos os únicos a enfrentar esses problemas. O PopA aceita dois tipos de pessoas: as populares de fato e aquelas que pensam que são populares, e agem como tal - essas são as que mais precisam de nossos cuidados. Como vocês sabem, para evitar que a Popularidade - essa força que tanto nos faz sofrer! -  seja um mal dentro do nosso próprio grupo, os mediadores mudam a cada semana. Meu nome é Luciara, mas vocês podem me chamar de... desculpa, meu nome é Luciara e vocês devem me chamar pelo nome, porque, como vimos na palestra da semana passada, os apelidos são nocivos para aqueles que estão tentando se livrar do nosso vício. O nosso anonimato é mantido pela ocultação dos sobrenomes, mas os primeiros nomes devem ser ditos, e os apelidos são extremamente desaconselhados. Enfim, meu nome é Luciara e eu serei a mediadora de vocês durante essa semana.

"Que loucura", pensou nossa heroína, enquanto a mediadora da semana continuava a falar sobre a programação daquela noite. "Que loucura! Não acredito que essas pessoas realmente levam isso a sério! Tem que ser piada, a qualquer momento o Roque vai sair de algum lugar e anunciar a pegadinha!"

Mas não era loucura. Pelo menos não para Luciara. Desde que entrara no grupo, Luciara, (ex "Lu") estava seguindo os passos e os mandamentos à risca. Mas essa não era a sua noite - se conseguisse se curar do vício totalmente, nenhuma noite nunca mais seria "sua" noite. Nunca mais seria o centro das atenções e, mesmo agora, com todos aqueles olhos e toda aquela atenção voltada para ela, sentia que estava controlando o prazer de ser ouvida com curiosidade e total admiração daqueles viciados. Mas a noite não era dela:

- Para quem está aqui pela primeira vez, essa é a noite dos depoimentos. Aqueles que se sentirem à vontade para contar sua história e sua caminhada no grupo deverão se inscrever com a Rosa (ex "Rosinha") e deverão falar por exatamente 10 minutos, para que nenhum fale mais que o outro. 

Cerca de cinco pessoas levantaram a mão e deram o nome para Rosa. Pela ordem estabelecida, o primeiro a falar seria Aguinaldo (ex "Naldo"). Luciara deu a palavra a ele.

[continua]

Read more...

tempo, contratempo

A historinha do post anterior está empacada porque esta que vos escreve teve um treco/mal-estar segunda-feira passada, no exato momento em que atualizava este blog. Foi meu organismo que encontrou um jeito de chamar atenção e me dizer: relaxa! Ele apresentou argumentos muito convincentes, e eu tive que passar a semana sem com a difícil tarefa de não fazer nada (o feriado de 7 de setembro ajudou, ê!). Agora voltamos com a nossa programação normal. Agora que eu tenho cinco leitores fixos, e que posso logar no blogger no trabalho, vou tentar atualizar mais vezes. Fiquem à vontade para comentar, compartilhar e curtir. 
Beijo,
Laranja.

Read more...

Populares Anônimos

>> quarta-feira, 31 de agosto de 2011

 "Bem vindos ao PopA", dizia a placa. Era sua primeira reunião. Estava de passagem e resolveu entrar (na verdade o grupo já havia sido "fortemente" recomendado por muitos conhecidos seus). Nunca lhes dera ouvidos, mas nesse dia resolveu entrar.

Entrou. Ainda, nenhuma das pessoas havia sentado nas cadeiras dispostas em forma de um grande círculo. A maioria delas estava num burburinho guloso em volta de uma mesa que parecia ter café e umas bolachinhas. Sem conhecer ninguém, aproximou-se da mesa e disse (a todos em geral e a ninguém em particular): 
- Ainda bem que a sigla ficou PopA, hein? Já pensou no tanto de loiras e o tanto de trintonas desavisadas que apareceriam aqui se fosse P.A.?

Ninguém riu. Mas não se deu por vencida, insistiu no chiste:

- Vocês entenderam, né? P.A. podia ser tanto Pensão Alimentícia quanto Pa..."rceiro" Amigo! Isso aqui ia viver cheio de mulher, por uma razão ou por outra!

Após novo silêncio, mais constrangedor que o primeiro, deu-se por derrotada. Encheu um copinho com o café amargo que estava sendo servido, ensaiou um sorriso sem graça, passou uma das mãos nos longos cabelos que em parte lhe cobriam o rosto e sentou-se. "Gente esquisita do caramba! Era uma ótima piada!" Decidiu não dizer mais nada até que a reunião começasse.

Em silêncio, retirou da bolsa o folheto que uma jovem lhe entregara na entrada do PopA:

Os dez mandamentos do Popular Anônimo

I - Não contarás "casos engraçados" da sua vida;
II - Não terás mais de dois perfis nas redes sociais e em cada perfil não mais que 100 amigos;
III - Seus amigos íntimos serão menos de 10 e não terás conhecidos;
IV - Manterás o amigo, perderás a piada;
V - Não farás favores, nem pedirás favores;
VI - Não sorrirás sem motivo, ou só para ser simpático;
VII - Não puxarás conversa;
VIII - Não darás grandes festas;
IX - Não se destacarás em grupos de dança, teatro, esportes, igreja, ou em qualquer outro grupo (inclusive no PopA)
X - Não chamarás propositalmente a atenção para si mesmo por meio de tom de fala, trejeitos, caretas, vestimenta ou qualquer outro traço de sua personalidade.



Leu o folheto e teve medo de que aquilo não fosse uma brincadeira. "Se não for uma brincadeira - pensou, eu estou beeem longe de alcançar a santidade pedida por esse bando de maluco! Opa, acho que acabo de infringir uns cinco mandamentos em pensamento...."

[continua]



Read more...

sobre aproveitar a vida

>> domingo, 28 de agosto de 2011

Olá, queridos quatro leitores desse blog! Terminei as resenhas de uma das disciplinas do mestrado, sobre literatura e morte, e ainda falta fazer as resenhas dos livros da disciplina sobre memória, mas elas podem demorar um pouquinho porque o novo semestre da UnB já começou e promete ser mais punk do que o primeiro... então, um dia elas aparecem aqui no blog, só não sei quando. Enquanto elas não chegam, leiam os livros indicados :)

***

Cuidado! O texto abaixo pode conter um alto teor de autoajuda, senso-comum, redundâncias e obviedades! Mas se você tem twitter ou facebook, você já está acostumado com isso, então, aproveite a leitura.

***

Desde que eu me entendo por gente já ouvi falar muito sobre aproveitar a vida, sobre viver a vida. "Bruna, deixa de ser nerd, para de ler, vai aproveitar a vida! Vai sair, vai namorar, vai dançar, vai aproveitar a vida! Bruna, pra que fazer faculdade agora? Vai aproveitar a vida! Bruna, pra que fazer mestrado agora? pra que namorar sério agora? pra que ser concursada agora? Pra que ser religiosa agora? Você é jovem, vai aproveitar a vida!" Ou então: "É, Bruna, você tá certa, faça alguns sacrifícios agora, e depois você vai ter tempo e dinheiro pra aproveitar a vida. Invista tudo agora que você é jovem, e mais tarde você vai poder aproveitar."

Aposto que vocês já devem ter ouvido esses dois tipo de "conselheiros" (ou intrometidos mesmo) muitas e muitas vezes. Acredito que escolher um lado ou outro é irrelevante se não tivermos claro o que o conceito de "aproveitar a vida" representa pra gente. Pra você, o que é aproveitar?

Luisa tem 17 anos. Acredita ter os melhores amigos no mundo. Recentemente declarou para os pais que queria ser "independente": queria sair sem ter hora pra voltar, com quem quisesse, pra onde quisesse, afinal, até esse momento ela nunca dera trabalho pros pais - tirava as melhores notas, andava nas melhores companhias e não era a pior das filhas, preguiçosa e desobediente às vezes, mas nada que embranquecesse os cabelos dos pais - e decidira que agora era tempo de colher as recompensas por tantos anos de "boa filhice" e finalmente aproveitar a vida. Os pais, é claro, disseram um redondo e sonoro Não para Luisa. O que não a impediu de se jogar no que ela considerava ser seu novo estilo de vida: um estilo em que aproveitava a vida! Luisa agora sai pra balada, do techno ao axé, da rave à micareta, do sertanejo ao pagode, e deixou seu pop rock pra lá. Luisa, que sempre foi tímida, agora dança, beija, pergunta, fala alto e ri, sai de casa sem ter hora pra voltar, mata aula pra beber vinho na casa das amigas, brinca de verdade ou consequência, experimenta seu primeiro cigarro, responde os professores - porque decidiu que seria livre pra "falar na cara" tudo o que bem entendesse. Luisa agora é popular, é consultada e ouvida pelas amigas, conquista, beija e se diverte com meninos bonitos quando bem entende e prova pro ex que não precisa mais dele, é "brother" dos professores mais moderninhos que gostam do seu jeito irreverente, e, depois de brigas e mais brigas, os pais e os irmãos desistiram dela - ou a "deixaram em paz", como ela gosta de pensar. Luisa é livre, Luisa está aproveitando a vida. 

Marcela tem 23 anos e acabou de se formar. Namorou durante toda a graduação, não foi a nenhum dos famosos churrascos com fama de bacanais da Universidade, não teve encontros furtivos e secretos com nenhum professor. Marcela já trabalha mas ainda mora com os pais, aos quais entende que deve respeito, satisfações e justificativas. No pouco tempo livre que tem entre o trabalho e o convívio com o namorado e a família, Marcela vai à igreja e estuda para conseguir um emprego melhor. Não vai a festas, não bebe, não tem amigas solteiras, e só faz sexo com o namorado quando ele insiste muito e consegue driblar as suas defesas morais. Não se sente infeliz, no entanto. Marcela tem plena consciência de que alguns sacrifícios devem ser feitos agora para que ela possa colher bons frutos no futuro - sair da casa dos pais casada, e aproveitar um ou dois anos de vida a dois com o futuro marido e atual namorado, antes de realizar seu sonho de ser mãe. E esse "aproveitar" do futuro não diverge muito do presente: é só uma espécie de "upgrade": um pouco mais de dinheiro, um pouco mais de sexo, um pouco mais de tempo, um pouco mais da vida, é tudo o que ela quer. Está tudo planejado e Marcela não duvida nem por um instante do futuro que escolheu pra si mesma. Marcela é livre e está construindo uma vida bem vivida.

Eu sei que ao longo da sua vida você já teve seus momentos de Luisa e os de Marcela, ou que você aprova o estilo de uma e despreza a conduta da outra. Mas Luisa e Marcela são personagens, maus personagens, estereotipados, unidimensionais e previsíveis. Pessoas não são assim - pelo menos não deveriam ser. Nós duvidamos, experimentamos, mudamos, crescemos. E um ponto chave nesse crescimento é saber o que é aproveitar, o que é "carpe diem", "seize the day", o que é "viver intensamente", o que é "viver a vida". Saber se devemos viver assim ou não é secundário. 

Alguns leitores acharão que Luisa não está perdendo tempo: aproveitar a vida é mesmo sair pra balada, tomar uns porres, participar de umas orgias, pegar sem se apegar, dia após dia, após dia. Aproveitar é tirar o máximo de prazer das coisas. Viver bem é viver prazerosamente. 

Outros estarão ao lado de Marcela: é preciso ter comedimento, é preciso pensar no futuro, é preciso sacrificar o presente em favor do amanhã, mesmo que esse presente seja apagadinho, sem grandes emoções - até melhor que seja assim, pra deixar a gente mais "pé no chão".

Eu já estive dos dois lados, tenho um pouco de Luisa e de Marcela. Nenhuma das duas me agrada, nenhuma das duas realiza o meu conceito de aproveitar a vida. Luisa está mentindo pra si mesma, acha que está aproveitando a vida porque os outros acham isso também. É um prazer que vem de fora, que é artificial. Marcela tem medo de arriscar, medo de sair da sua zona de segurança, de sair do contexto em que está tudo certo e planejado, e seu prazer vem de uma falsa ideia de controle sobre seu destino.

Não importa realmente o modo que as duas escolheram para aproveitar a vida e, sim, as razões que as fizeram escolher esse modo. Pra mim, as duas são razões erradas. Aproveitar a vida, pra mim, hoje, é experimentar, é ter coragem de conhecer o que está além de mim, inclusive além do meu prazer e além do meu controle. É saber que, sim, eu sou vulnerável, e por mais independente, cuidadosa ou forte que eu seja, por mais coisas que eu tenha conquistado e feito - sou mortal, ou melhor, sou "morrível". E em face à morte, muitas das grandes realizações que eu julguei ter feito tornam-se insignificantes. Então, sempre penso que viver em função do futuro não vale a pena. Eu não faria nada do que faço - namorar, trabalhar, estudar, ser religiosa - se não sentisse nenhum prazer nisso. Se faço isso tudo é porque gosto. É porque tenho prazer em me sentir útil trabalhando, tenho prazer em estudar literatura e compreender um pouco mais o mundo e a mim mesma, tenho prazer em dividir minha vida com uma - e só uma - pessoa, tenho prazer em buscar a Deus. É claro que não sinto prazer nisso o tempo todo. Mas a infelicidade, a angústia e a dúvida são parte do viver. A ideia de que aproveitar a vida é evitar a dor, de que sofrer é desperdício de tempo é falsa, enganosa, é até cruel, porque cria pessoas angustiadas e covardes que vivem uma imitação de vida.

Por outro lado, não descarto a ideia de que um dia, no futuro, se eu estiver viva até lá, essas coisas -  trabalhar, estudar, namorar, ser religiosa - podem não me dar mais prazer ou nenhum tipo de satisfação, por um tempo que seja superior ao de uma "crise". E aí, eu espero ter a coragem de lutar contra a acomodação e mudar outra vez, experimentar de novo, tentar o desconhecido.

Liberdade também é isso: poder escolher ao que você vai se prender. Viver a vida é isso: é ter coragem de tentar o novo, coragem de permanecer o mesmo, coragem quando a vida te pede coragem.

Read more...

#RLL - Memórias póstumas de Brás Cubas

>> quinta-feira, 11 de agosto de 2011

#rll - Memórias póstumas de Brás Cubas
Disciplina: Literatura comparada: literatura e morte
Autor: Machado de Assis, brasileiro.
Ano: séc. XIX, publicado como folhetim entre março e dezembro de 1880 e como um livro só em 81.



AO VERME
QUE
PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES
DO MEU CADÁVER
DEDICO
COMO SAUDOSA LEMBRANÇA
ESTAS
MEMÓRIAS PÓSTUMAS




Eu comecei a ler Memórias póstumas quando eu tinha uns treze anos, várias vezes. Larguei esse diacho desse livro chato que parecia nunca começar e só consegui ler de verdade com uns 16, 17. De lá pra cá devo ter relido algumas vezes, reli pra monografia e agora pra disciplina. E eu não consigo entender como esse livro é trauma de Ensino Médio da maioria dos coleguinhas. Bom, se você é um desses traumatizados, fica a dica: pule os primeiros, sei lá, onze capítulos. E divirta-se com a ironia desse defunto debochado que volta do além - sabe-se lá como - pra contar a história da sua vida, história que teve como fato mais importante a sua morte, como afirma o Prof. Augusto, professor dessa disciplina que escreveu sua tese de doutorado sobre morte e decomposição biográfica em Memórias póstumas.







Aqui, abro um parêntese nas resenhas pra fazer um comentário sobre "recepção". Eu tenho visto muitos coleguinhas, dos mais variados níveis de escolaridade, que acham que Machado de Assis foi o único escritor brasileiro ever. Então, pra todo livro que eu leio eu escuto a pergunta: "É daquele cara, como é mesmo o nome? Machado de Assis?"



Machadão
Não, gente. O Joaquim Maria (m. de a.) não foi o único escritor brasileiro ever. Foi, talvez, o mais importante e o mais estudado, mas não o único. É dele a espécie de "trilogia" - Memórias Póstumas de Brás Cubas (uma ideia fixa!) Quincas Borba (ao vencedor, as batatas!) e Dom Casmurro (Capitu traiu ou não traiu?). Se você não entendeu nenhuma das referências entre parênteses, nossa amizade está em risco. Porque ter lido esses livros não é questão de ter acesso (você os encontra de graça nas bibliotecas ou por cinco reais em edições descartáveis) ou tempo (os livros tem milhões de capítulos! dá pra ler um por dia na vida!), mas de falta de interesse mesmo, pura preguiça. (professorinha de português indignada mode off).

Voltando ao Memórias póstumas, Brás Cubas (único autor-defunto da literatura universal, ao que parece) insere o Brasil nessa tradição ocidental dos diálogos dos mortos. Com a liberdade da palavra - pois agora tanto faz o que vão pensar, ele já morreu mesmo! - Brás Cubas se junta à categoria dos "desajustados" socialmente que podem falar o que "der na telha" - os loucos, as crianças, os bobos ou estúpidos, os velhos. Deixo dois trechinhos pra vocês que eu usei na minha monografia na comparação com Incidente em Antares (mas vale muito a pena ler o livro todo! você pode baixar aqui): 
Amável Formalidade, tu és, sim, o bordão da vida, o bálsamo dos corações, a medianeira entre os homens, o vínculo da terra e do céu; tu enxugas as lágrimas de um pai, tu captas a indulgência de um Profeta; e se a dor adormece, se a consciência se acomoda, a quem, senão a ti, devem esse imenso beneficio? A estima que passa de chapéu na cabeça não diz nada à alma; mas a indiferença que corteja deixa-lhe uma deleitosa impressão.
Explicar ironia é sempre constrangedor, mas, bem, vou fazer isso só dessa vez: Brás Cubas tá sambando na cara da high, dizendo que tanto faz quais são os verdadeiros sentimentos e motivações dos atos humanos, desde que eles estejam dentro do protocolo social, de acordo com o espetáculo e a encenação da vida, desde que eles se apresentem com uma cortesia e tirem o chapéu. (Eu sei que na sua timeline todos os dias as pessoas dão RT em frases que querem dizer quase a mesma coisa, mas, veja bem, Machado disse isso com muito mais classe já em 1880!)

O segundo trecho, enfim, explica tudo isso que eu venho tentando falar sobre morte e liberdade, só que, claro, com muito mais classe:
Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a catar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; [...] Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos, não há platéia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados. 
A morte é o único jeito de romper com a formalidade e dizer a verdade. Ou a loucura. Ou a velhice. De qualquer forma, aquele que escolhe dizer essas verdade é sempre um desajustado social, alguém que não está legitimado pelo sistema. E Machado alia morte à ironia, a um humor fino, sarcástico, debochado, e até perverso (talvez com ele eu tenha aprendido a ser um pouquinho malvada).

Maas, (e aí é que entra a coisa mágica da literatura), quem diz tudo o que Brás Cubas diz é Machado. Maaas, Machado não estava morto, nem louco, nem velho. Era, ao contrário, um respeitável jornalista, crítico de teatro, um notável escritor. Como ele pode, então, dizer todas essas coisas (jogar na cara da sociedade toda a sua podridão e falsidade) e continuar sendo bem aceito e querido?
Ora, porque é literatura! É ficção! É de mentirinha... "Não é da gente que ele tá falando", eles pensaram.
E era. A literatura dá a ver o que a realidade esconde. Escrever literatura é discutir política, história, filosofia, religião, enfim, discutir a cultura que forma o homem, ao mesmo tempo que é formada por ele. E de um jeito divertido! (literatura é entretenimento!)

Mas chega de ficar fazendo propaganda da minha área (ou não). Leia Machado! Leia Machado pra entender o brasil e o mundo do fim do séc. XIX, pra entender um pouco sobre política, escravidão, ciúme, inveja, poder, medo, loucura, morte, relacionamentos. Enfim, leia Machado pra ter assunto pra conversar comigo depois :)

Mas, e aí, vai esperar morrer pra dizer o que pensa? Olha que nem todo mundo tem a sorte de Brás Cubas de voltar e continuar falando...

Read more...

#RLL - Bobók

>> quarta-feira, 10 de agosto de 2011

#rll - Bobók
Disciplina: Literatura comparada: literatura e morte.
Autor: Fiódor Dostoiévski, russo.
Ano - séc. XIX, 1873.

A #RLL de hoje é sobre um conto de Dostoiévski, traduzido e analisado por Paulo Bezerra, um dos tradutores fodões do russo pro português.

Eu nunca tinha lido nada do Dostoiévski (fala sério, o cara é russo! russos são malvados!) porque achava que seria muito difícil (e os livros mais curtos tem tipo 400 páginas). Um exemplo de quanta "pompa" o cara tem foi a reação das pessoas nos corredores e no elevador do trabalho ao me verem com um livro dele na mão: "Noooooossa! Dostoiévski!" como quem diz "que nerd você! get a life!". 

O conto desconstruiu toda essa imagem séria e pesada que eu tinha dele. "Dosto" era um fanfarrão! Bobok é considerado uma sátira menipeia da modernidade. Nasceu com a intenção de responder as críticas que o último romance que havia sido publicado por Dostoiévski havia recebido. Em vez de responder "na mesma moeda" com um ensaio ou uma nota no jornal, o autor russo preferiu usar a literatura, criando uma obra que tem significado mesmo que o leitor não saiba que ela foi concebida com esse primeiro propósito.

Lugar de diversão!
Ivan Ivánitch é jornalista, escritor frustrado que vive levemente embriagado. Um dia, resolve se divertir e acaba indo a um enterro. Passeando pelo cemitério acaba sentando em uma lápide aleatória pra descansar e dorme. Acorda ouvindo um som, "bobók" (tipo o som de uma bola de sabão estourando) e começa a ouvir vozes. As vozes vem dos defuntos em torno dele, que estão "recepcionando" o novo morto no cemitério, que ainda não sabe muito bem que morreu. Ivan fica na dele e começa a prestar atenção na conversa dos mortos.  A conversa dos mortos se encaminha para a instituição de uma tanatocracia, com novos valores, diferentes dos dos vivos, onde prevalece a verdade absoluta.
Um trechinho:

[...] Mas por enquanto eu quero que não se minta. É só o que eu quero, porque isto é o essencial. Na Terra é impossível viver e não mentir, pois vida e mentira são sinônimos, mas, com o intuito de rir, aqui não vamos mentir. Aos diabos, ora, pois o túmulo significa alguma coisa! Todos nós vamos contar em voz alta as nossas histórias já sem nos envergonharmos de nada. Serei o primeiro de todos a contar a minha história. Eu, sabei, sou dos sensuais. Lá em cima tudo isso estava preso por cordas podres. Abaixo as cordas, e vivamos esses dois anos na mais desavergonhada verdade! Tiremos a roupa! Dispamos-nos!
Nesse novo diálogo dos mortos, agora temos um vivo escutando, que vai ouvindo a conversa até que um espirro faz com que os defuntos se calem - e ficamos sem saber no que daria essa tal sociedade em que ninguém tivesse vergonha ou escondesse coisa alguma.



Dostoiévski
A morte como forma de liberdade do discurso está presente aqui (estudar morte é estudar liberdade) e estará presente também no último romance dessa disciplina, o romance que fez o professor começar a estudar morte: Memórias póstumas de Brás Cubas. O defunto-autor é o parâmetro de comparação de todas as obras que vimos até aqui, e, como Bobók, foi escrito por um autor na periferia do mundo europeu, no mesmo século XIX, que via a falência do homem prisioneiro de uma vida de fingimentos, aparências e mentira, que só poderia encontrar alguma liberdade na morte - só depois de morto que Brás Cubas pode dizer com sinceridade, com seu desprezo tumular, o que sempre pensou daqueles com quem conviveu. Mas esse é o assunto da próxima resenha. Leiam Dostoiévki. Além de todo mundo achar que vcs são nerds da literatura (a vida é um fingimento), o cara era um gênio.


Read more...

asas e raízes

>> segunda-feira, 8 de agosto de 2011

das páginas do diário dela...

***

Mais uma vez aumentei o volume do som e deixei que a música repetitiva que tocava na rádio abafasse o som desagradável e patético dos meus soluços. Afinal, por que, dessa vez, chorava? Chora por tudo, essa mulher! Acredita que, como na infância, as lágrimas ainda tem o poder de dizer tudo o que oprime a garganta, de aliviar a pressão do peito, a dor que começa na boca do estômago. Não mais. O choro é agora, e sempre o foi, na verdade, sinal de fraqueza, de desequilíbrio, de fracasso. Chorar é regredir à incapacidade de argumentar e de se defender com palavras. É a negação da racionalidade, é a entrega à vertigem do desespero, é a covardia daquele que não sabe o que fazer - ou sabe e tem medo de fazer.

Sabendo de tudo isso, chorei. Ela chorou. A mulher que escreve agora não é a mesma de agora há pouco: esta é das palavras. A outra, das lágrimas.

Ela se debate entre os dois maiores impulsos humanos: criar asas e cultivar raízes. A oposição mais complexa das muitas oposições humanas - peso e leveza - que ela antes havia encontrado na arte e na ciência, reduzia-se, agora, rebaixava-se, agora, ao seu pequeno drama particular.

Ficar ou partir? Manter ou livrar-se?
Sustentaria por mais tempo o peso do passado?
Suportaria por quanto tempo o peso da ausência?
Poderia carregar a contraditória e pesada responsabilidade da liberdade?

Ninguém a quem prestar contas, ninguém para quem justificar-se, a quem responder.
Por outro lado, ninguém para responsabilizar pelo que dá de errado na minha vida (na vida dela?). Ninguém com quem compartilhar méritos, ninguém de quem esperar um elogio, ninguém de quem depender.
Se, de repente, vejo-me livre. Se nada mais me prende e, mesmo assim, não vou a lugar nenhum, preciso conviver com o amargor de descobrir minha covardia.
Mais sufocantes que as prisões externas - relacionamentos, família, amigos, dinheiro, são aquelas que estão dentro de mim: meus valores, meus preconceitos, minha covardia, meu medo. Meu grande e negro medo de voar sozinha, e de e cair e de, ao cair, descobrir que não há nada que me suporte, nada que me prenda!

entre criar asas e manter raízes. entre ficar e fugir - fugir levando meus fantasmas interiores pra onde quer que eu vá! fui condenada a ser eu mesma por toda a minha vida. nunca saberei como é não ser eu. como é estar livre desse corpo e dessa consciência que em nada se parecem com a imagem que eu criei de mim mesma. 

(e aqui dentro relampejou a pergunta: quando foi que eu virei essa megera cínica? quando foi que eu deixei de acreditar no homem? algum dia acreditei?)


No meio desse torvelinho, a mesma gravidade que me puxa pra baixo é a força que me faz subir ao encontrar o solo. e daí essa angústia, a de não saber qual caminho seguir, a de não ter ninguém que me dê a resposta certa, a de ter que assumir o risco de criar minha própria solução.

Não, hoje não é dia da mulher das palavas. as lágrimas rolam e, ao menos por hoje, não haverá força que as impeça de serem livres.

Amanhã é outro dia. E amanhã pode ser que a mulher das palavras encontre uma forma de tocar céu e terra, de alçar voo e ter um local seguro onde possa pousar. De ter a liberdade de escolher quais prisões encerrarão suas asas enquanto ela cultiva raízes.

Read more...

#RLL - Dom Quixote

>> domingo, 31 de julho de 2011

 #rll - O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Macha
Disciplina: Literatura comparada: literatura e morte.
Autor - Miguel de Cervantes Saavedra, espanhol.
Ano: séc XVII, 1605 (parte I) e 1615 (parte II)


Cervantes
De tanto ler romances de cavalaria, nos quais há sempre um nobre cavaleiro que enfrenta gigantes, e monstros em suas andanças em busca de aventura, com o pensamento em uma bela dama que roubou seu coração, Dom Quixote decide ser ele também um digníssimo cavaleiro. Escolhe Sancho Pança como seu fiel escudeiro (todo nobre cavaleiro precisa de um!) e Dulcinéia como sua formosíssima dama. As suas aventuras e peripécias são contadas aos desocupados leitores nos dois volumes de Cervantes, contemporâneo de Shakespeare.

Concebido como uma paródia dos romances de Cavalaria, Dom Quixote entrou pra história da literatura universal como o precursor do romance moderno e como uma das mais completas, complexas e bonitas obras de arte já produzidas pelo gênio humano. É o livro mais editado e traduzido depois da Bíblia. Apesar de todo esse "peso" acadêmico, ele pode e deve ser lido prazerosamente como um livro popular, engraçado e divertido (afinal, não podemos esquecer que literatura é, também, entretenimento!)

Ainda não terminei de ler a segunda parte do Quixote (confessei!) mas já passei por uma das passagens mais famosas da literatura universal, e que tem sido vista como emblemática para a análise de todo o romance. Compartilho com vocês:

Capítulo VIII, Parte I.



DO BOM SUCESSO QUE TEVE O VALOROSO DOM QUIXOTE NA ESPANTOSA E NUNCA IMAGINADA AVENTURA DOS MOINHOS DE VENTO, COMO OUTROS SUCESSOS DIGNOS DE FELIZ RECORDAÇÃO

Nisto descobriram trinta ou quarenta moinhos de vento que há naquele campo; e logo que Dom Quixote os viu, disse ao seu escudeiro:
- A aventura vai guiando as nossas coisas melhor do que poderíamos desejar, porque ali vês, amigo Sancho Pança, trinta desaforados gigantes, ou pouco mais, a quem penso combater e tirar-lhes, a todos, as vidas,  e com cujos despojos começaremos a enriquecer; será bom combate e grande serviço prestado a Deus o de extirpar tão má semente da face da terra.
- Que gigantes? - disse Sancho Pança.
- Aqueles que ali vês, com grandes braços - respondeu-lhe o amo; - alguns há que os têm de quase duas léguas.
- Saiba vossa mercê - observou Sancho - que aqueles que assim se parecem não são gigantes, mas moinhos de vento; e o que neles parecem braços são as asas que, impelidas pelo vento, fazem girar a pedra do moinho.
- Bem se percebe - respondeu Dom Quixote - que não és versado nesse assunto de aventuras; aqueles ali são gigantes; se tens medo, afasta-te e põe-te a orar, enquanto me defronto com eles em fera e desigual batalha.
Dizendo isso, esporeou seu cavalo Rocinante, sem atender aos gritos do escudeiro, avisando-lhe que não se tratava de gigantes, mas de moinhos de vento, sem dúvida alguma, os que ia atacar. Mas ele estava tão convencido de que eram gigantes, que não ouvia os brados do escudeiro Sancho, nem conseguia perceber, mesmo de bem perto, o que eram realmente; antes, ia dizendo em alta voz:
- Não fujais, cobardes e vis criaturas, que estais acometidas por um cavaleiro apenas.
Soprou, neste instante, um pouco de vento, e as grandes asas principiaram a mover-se. Vendo aquilo, disse Dom Quixote:
- Ainda que movais mais braços que os do gigante Briaréu, haveis de pagar-me.
Isso dizendo, encomendou-se de todo o coração a sua senhora Dulcineia, pedindo que-lhe que o socorresse em tal transe; e bem protegido pelo escudo, com a lança em riste, arremeteu a todo galope de Rocinante, e investiu contra o primeiro moinho que se lhe deparou; e cravando-lhe a lança na asa, girou-a o vento com tanta fúria, que se partiu a arma em pedaços, arrastando após si cavalo e cavaleiro; o qual, todo machucado, foi rolando pelo campo. Acudiu-lhe Sancho Pança, pondo o asno a correr o mais que podia, e, ao acercar-se do amo, viu que não podia mover-se, tal foi o golpe que sofreu com o Rocinante. 
- Valha-me Deus! - disse Sancho. Não disse a Vossa Mercê que visse bem o que fazia, que não eram senão moinhos de vento, e não o podia ignorar senão quem levasse outros tantos na cabeça?
- Cala-te, amigo Sancho - respondeu Dom Quixote; - que as coisas da guerra, mais do que as outras, estão sujeitas a contínua mudança; tanto mais que penso, essa é a verdade, que aquele sábio Fristão, que me roubou o aposento e os livros, transformou esses gigantes em moinhos para me privar da glória de vencê-los; tal a inimizade que me tem; mas, ao final das contas, hão de poder pouco as suas más artes contra a bondade da minha espada.
Há entre nós os Quixotes que recusam-se a conviver com a simplicidade de moinhos de vento e preferem levar a vida em peripécias com gigantes, e Sanchos que não se permitem colorir a realidade monótona de moinhos com as cores de gigantes imaginários. Quatro séculos depois, razão x emoção (nx0feelings), realidade x imaginação, reacionalismo x idealismo são ainda as relações mais complexas do homem moderno, estando ora em posição diametralmente oposta, ora relacionadas complementarmente. Daí a universalidade e a permanência dessa história na História. Daí a fascinação que as peripécias de Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança ainda causam em nós, desocupados leitores. 

Read more...

#RLL - Hamlet

>> quarta-feira, 13 de julho de 2011


Há algo de podre no reino da Dinamarca!
Marcelo, em Hamlet
(SHAKESPEARE,  2001, p.  31)

#rll - Hamlet
Disciplina: Literatura comparada: literatura e morte
Autor: William Shakespeare, inglês.
Ano: séc XVII, entre 1.601 e 1.602

William Shakespeare
Eis que entramos no séc XVII, só quatrocentos anos nos separam do maior dramaturgo e um dos maiores poetas de todos os tempos: William Shakespeare. Hamlet é a peça mais interpretada e estudada do mundo. E aqui eu falo dela mais com a emoção de leitora do que como estudiosa da literatura.
A sua história não foi inventada pelo poeta de inglês: o mito do príncipe da Dinamarca que vinga a morte de seu pai é muito antigo na lenda escandinava, e tem outras versões anteriores a Shakespeare.

Os diálogos da peça discutem temas éticos e complicados como traição, suicídio, vingança, loucura, morte. Daí vêm as análises inesgotáveis de um texto que sempre se renova, a cada nova leitura. Eu conheci o Príncipe da Dinamarca com 16 anos, li por curiosidade, e agora li de novo pra disciplina: uma leitura completamente diferente!

Como é uma tragédia (uma tragédia moderna, que traz alguns elementos diferentes da tragédia grega, por exemplo), é de se esperar que todo mundo morra. E isso não é spoiler, todo mundo morre mesmo! Se você não conhece, pode ver resumo da história, mas vale muito, muito, muito a pena ler (sim, eu adoro uma tragédia!). Mas, até cair o pano do último ato, ficamos nos perguntando: O Fantasma realmente existe? Cláudio matou o irmão? Ofélia ama Hamlet? Hamlet está louco de verdade? Gertrudes (Rainha da Dinamarca) traiu o marido? Hamlet é a tragédia da dúvida, da hesitação, do sonho, da loucura, do dilema. São muitos os segredos, as traições e as reviravoltas, o que fez com que essa peça seja encenada até nossos dias e que sirva tanto como entretenimento (Shakespeare foi muito popular no seu tempo) quanto como um texto denso, estudado, interpretado, esmiuçado pelo meio acadêmico.

Um dia hei de ver Hamlet by
Wagner Moura!
Nem preciso falar sobre a relação da peça com a minha disciplina: o drama começa no castelo e termina no cemitério, um fantasma move todas as discussões e motiva todas as (muitas) mortes seguintes, Hamlet contracena com a caveira do bobo da corte e os coveiros têm uma cena inteira só pra eles. (sim, a morte está em todo lugar!)

Ainda sobre Shakespeare, indico 5 peças que simplesmente *têm* que ser lidas: Macbeth, Hamlet, Romeu e Julieta, Rei Lear e Otelo, o mouro de Veneza.

E, pra você não ter como fugir, recomendo muito o ótimo (texto ótimo, atores ótimos, direção ótima de Fernando Meirelles, lindo demais!) seriado global de doze episódios Som & Fúria, que tem o título baseado em uma das falas mais famosas de Lady Macbeth: "A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, nada significando."

Vou encerrar o post com o monólogo mais famoso do teatro universal. Esse texto persiste no nosso imaginário porque faz a pergunta mais fundamental de todos nossos momentos de crise: ser ou não ser, existir ou não existir, viver ou não viver? Quando tudo parece perdido, quando nada faz sentido, a gente se pergunta: por que continuar? por que continuar vivendo uma vida miserável? Por puro e simples medo da morte? O que é pior: se jogar no desconhecido do outro mundo, sem saber o que vai encontrar, ou continuar no conhecido - e odiado - mundo dos vivos? 
E aí, quando tudo nos leva a crer que o suicídio é covardia - é fuga! -, Hamlet nos põe a pensar que viver e suportar uma vida detestava que é a verdadeira covardia - o medo de enfrentar a morte!

Esse é o dilema do suicida, de todo aquele e de cada um que um dia já se pegou perguntando: "pra que continuar vivendo? pelo que continuar vivendo?" 

Depois desse momento #literaturadadepressão (por favor, não se matem depois desse post! sério!),  deixo o Poeta falar:
Ser ou não ser, eis a questão! Que é mais nobre para a alma: sofrer os dardos e setas de um destino cruel, ou pegar em armas contra uma mar de calamidades para pôr-lhes fim, resistindo? Morrer...dormir; nada mais! E com o sono, dizem, terminamos o pesar do coração e os inúmeros naturais conflitos que constituem a herança da carne! Que fim poderia ser mais devotamente desejado? Morrer...Dormir!...Talvez sonhar! Sim, eis a dificuldade! Porque é forçoso que nos detenhamos a considerar que sonhos possam sobrevir, durante o sono da morte, quando nos tenhamos libertado do torvelinho da vida. Aí está a reflexão que dá à desventura uma vida assim tão longa! Pois, senão, quem suportaria os insultos e desdéns do tempo, a injúria do opressor, a afronta do soberbo, a angústia do amor desprezado, a morosidade da lei, as insolências do poder e as humilhações que o paciente mérito recebe do homem indigno, quando ele próprio pudesse encontrar repouso com um simples estilete? Quem gostaria de suportar tão duras cargas, gemendo e suando sob o peso de uma vida afanosa, se não fosse o temor de alguma coisa depois da morte, região misteriosa de onde nenhum viajante jamais voltou, confundindo nossa vontade e impelindo-nos a suportar aqueles males que nos afligem, em vez de nos lançarmos a outros que desconhecemos? E é assim que a consciência nos transforma em covardes, é assim que o primitivo verdor de nossas resoluções se debilita na pálida sombra do pensamento e é assim que as empreitadas de maior alento e importância, com semelhantes reflexões, desviam o seu curso e deixam de ter o nome de ação. 

Read more...

  © Blogger template Simple n' Sweet by Ourblogtemplates.com 2009

Back to TOP