asas e raízes

>> segunda-feira, 8 de agosto de 2011

das páginas do diário dela...

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Mais uma vez aumentei o volume do som e deixei que a música repetitiva que tocava na rádio abafasse o som desagradável e patético dos meus soluços. Afinal, por que, dessa vez, chorava? Chora por tudo, essa mulher! Acredita que, como na infância, as lágrimas ainda tem o poder de dizer tudo o que oprime a garganta, de aliviar a pressão do peito, a dor que começa na boca do estômago. Não mais. O choro é agora, e sempre o foi, na verdade, sinal de fraqueza, de desequilíbrio, de fracasso. Chorar é regredir à incapacidade de argumentar e de se defender com palavras. É a negação da racionalidade, é a entrega à vertigem do desespero, é a covardia daquele que não sabe o que fazer - ou sabe e tem medo de fazer.

Sabendo de tudo isso, chorei. Ela chorou. A mulher que escreve agora não é a mesma de agora há pouco: esta é das palavras. A outra, das lágrimas.

Ela se debate entre os dois maiores impulsos humanos: criar asas e cultivar raízes. A oposição mais complexa das muitas oposições humanas - peso e leveza - que ela antes havia encontrado na arte e na ciência, reduzia-se, agora, rebaixava-se, agora, ao seu pequeno drama particular.

Ficar ou partir? Manter ou livrar-se?
Sustentaria por mais tempo o peso do passado?
Suportaria por quanto tempo o peso da ausência?
Poderia carregar a contraditória e pesada responsabilidade da liberdade?

Ninguém a quem prestar contas, ninguém para quem justificar-se, a quem responder.
Por outro lado, ninguém para responsabilizar pelo que dá de errado na minha vida (na vida dela?). Ninguém com quem compartilhar méritos, ninguém de quem esperar um elogio, ninguém de quem depender.
Se, de repente, vejo-me livre. Se nada mais me prende e, mesmo assim, não vou a lugar nenhum, preciso conviver com o amargor de descobrir minha covardia.
Mais sufocantes que as prisões externas - relacionamentos, família, amigos, dinheiro, são aquelas que estão dentro de mim: meus valores, meus preconceitos, minha covardia, meu medo. Meu grande e negro medo de voar sozinha, e de e cair e de, ao cair, descobrir que não há nada que me suporte, nada que me prenda!

entre criar asas e manter raízes. entre ficar e fugir - fugir levando meus fantasmas interiores pra onde quer que eu vá! fui condenada a ser eu mesma por toda a minha vida. nunca saberei como é não ser eu. como é estar livre desse corpo e dessa consciência que em nada se parecem com a imagem que eu criei de mim mesma. 

(e aqui dentro relampejou a pergunta: quando foi que eu virei essa megera cínica? quando foi que eu deixei de acreditar no homem? algum dia acreditei?)


No meio desse torvelinho, a mesma gravidade que me puxa pra baixo é a força que me faz subir ao encontrar o solo. e daí essa angústia, a de não saber qual caminho seguir, a de não ter ninguém que me dê a resposta certa, a de ter que assumir o risco de criar minha própria solução.

Não, hoje não é dia da mulher das palavas. as lágrimas rolam e, ao menos por hoje, não haverá força que as impeça de serem livres.

Amanhã é outro dia. E amanhã pode ser que a mulher das palavras encontre uma forma de tocar céu e terra, de alçar voo e ter um local seguro onde possa pousar. De ter a liberdade de escolher quais prisões encerrarão suas asas enquanto ela cultiva raízes.

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