#RLL - Memórias póstumas de Brás Cubas

>> quinta-feira, 11 de agosto de 2011

#rll - Memórias póstumas de Brás Cubas
Disciplina: Literatura comparada: literatura e morte
Autor: Machado de Assis, brasileiro.
Ano: séc. XIX, publicado como folhetim entre março e dezembro de 1880 e como um livro só em 81.



AO VERME
QUE
PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES
DO MEU CADÁVER
DEDICO
COMO SAUDOSA LEMBRANÇA
ESTAS
MEMÓRIAS PÓSTUMAS




Eu comecei a ler Memórias póstumas quando eu tinha uns treze anos, várias vezes. Larguei esse diacho desse livro chato que parecia nunca começar e só consegui ler de verdade com uns 16, 17. De lá pra cá devo ter relido algumas vezes, reli pra monografia e agora pra disciplina. E eu não consigo entender como esse livro é trauma de Ensino Médio da maioria dos coleguinhas. Bom, se você é um desses traumatizados, fica a dica: pule os primeiros, sei lá, onze capítulos. E divirta-se com a ironia desse defunto debochado que volta do além - sabe-se lá como - pra contar a história da sua vida, história que teve como fato mais importante a sua morte, como afirma o Prof. Augusto, professor dessa disciplina que escreveu sua tese de doutorado sobre morte e decomposição biográfica em Memórias póstumas.







Aqui, abro um parêntese nas resenhas pra fazer um comentário sobre "recepção". Eu tenho visto muitos coleguinhas, dos mais variados níveis de escolaridade, que acham que Machado de Assis foi o único escritor brasileiro ever. Então, pra todo livro que eu leio eu escuto a pergunta: "É daquele cara, como é mesmo o nome? Machado de Assis?"



Machadão
Não, gente. O Joaquim Maria (m. de a.) não foi o único escritor brasileiro ever. Foi, talvez, o mais importante e o mais estudado, mas não o único. É dele a espécie de "trilogia" - Memórias Póstumas de Brás Cubas (uma ideia fixa!) Quincas Borba (ao vencedor, as batatas!) e Dom Casmurro (Capitu traiu ou não traiu?). Se você não entendeu nenhuma das referências entre parênteses, nossa amizade está em risco. Porque ter lido esses livros não é questão de ter acesso (você os encontra de graça nas bibliotecas ou por cinco reais em edições descartáveis) ou tempo (os livros tem milhões de capítulos! dá pra ler um por dia na vida!), mas de falta de interesse mesmo, pura preguiça. (professorinha de português indignada mode off).

Voltando ao Memórias póstumas, Brás Cubas (único autor-defunto da literatura universal, ao que parece) insere o Brasil nessa tradição ocidental dos diálogos dos mortos. Com a liberdade da palavra - pois agora tanto faz o que vão pensar, ele já morreu mesmo! - Brás Cubas se junta à categoria dos "desajustados" socialmente que podem falar o que "der na telha" - os loucos, as crianças, os bobos ou estúpidos, os velhos. Deixo dois trechinhos pra vocês que eu usei na minha monografia na comparação com Incidente em Antares (mas vale muito a pena ler o livro todo! você pode baixar aqui): 
Amável Formalidade, tu és, sim, o bordão da vida, o bálsamo dos corações, a medianeira entre os homens, o vínculo da terra e do céu; tu enxugas as lágrimas de um pai, tu captas a indulgência de um Profeta; e se a dor adormece, se a consciência se acomoda, a quem, senão a ti, devem esse imenso beneficio? A estima que passa de chapéu na cabeça não diz nada à alma; mas a indiferença que corteja deixa-lhe uma deleitosa impressão.
Explicar ironia é sempre constrangedor, mas, bem, vou fazer isso só dessa vez: Brás Cubas tá sambando na cara da high, dizendo que tanto faz quais são os verdadeiros sentimentos e motivações dos atos humanos, desde que eles estejam dentro do protocolo social, de acordo com o espetáculo e a encenação da vida, desde que eles se apresentem com uma cortesia e tirem o chapéu. (Eu sei que na sua timeline todos os dias as pessoas dão RT em frases que querem dizer quase a mesma coisa, mas, veja bem, Machado disse isso com muito mais classe já em 1880!)

O segundo trecho, enfim, explica tudo isso que eu venho tentando falar sobre morte e liberdade, só que, claro, com muito mais classe:
Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a catar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; [...] Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos, não há platéia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados. 
A morte é o único jeito de romper com a formalidade e dizer a verdade. Ou a loucura. Ou a velhice. De qualquer forma, aquele que escolhe dizer essas verdade é sempre um desajustado social, alguém que não está legitimado pelo sistema. E Machado alia morte à ironia, a um humor fino, sarcástico, debochado, e até perverso (talvez com ele eu tenha aprendido a ser um pouquinho malvada).

Maas, (e aí é que entra a coisa mágica da literatura), quem diz tudo o que Brás Cubas diz é Machado. Maaas, Machado não estava morto, nem louco, nem velho. Era, ao contrário, um respeitável jornalista, crítico de teatro, um notável escritor. Como ele pode, então, dizer todas essas coisas (jogar na cara da sociedade toda a sua podridão e falsidade) e continuar sendo bem aceito e querido?
Ora, porque é literatura! É ficção! É de mentirinha... "Não é da gente que ele tá falando", eles pensaram.
E era. A literatura dá a ver o que a realidade esconde. Escrever literatura é discutir política, história, filosofia, religião, enfim, discutir a cultura que forma o homem, ao mesmo tempo que é formada por ele. E de um jeito divertido! (literatura é entretenimento!)

Mas chega de ficar fazendo propaganda da minha área (ou não). Leia Machado! Leia Machado pra entender o brasil e o mundo do fim do séc. XIX, pra entender um pouco sobre política, escravidão, ciúme, inveja, poder, medo, loucura, morte, relacionamentos. Enfim, leia Machado pra ter assunto pra conversar comigo depois :)

Mas, e aí, vai esperar morrer pra dizer o que pensa? Olha que nem todo mundo tem a sorte de Brás Cubas de voltar e continuar falando...

3 comentários:

Anônimo,  11 de agosto de 2011 às 13:48  

continuando as reticências:
... fala na cara! sua vaca!

VAMPIRA 11 de agosto de 2011 às 13:55  

Lindo! Divino! Bravo!

Eu só trocaria a fase do Brás Cubas para: "Era linda! ... Porém, coxa."

Citrus sinensis 11 de agosto de 2011 às 14:03  

haha, fiquei na dúvida tbm! Mas eu tô mais num momento ideia fixa!

"Por que coxa, se bonita? Por que bonita, se coxa?"

"Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis"

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