poética da felicidade

>> sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Este blog anda às moscas por motivos de: estou feliz.

Não tenho nada do que reclamar! E agora? Como escrever - ou melhor, como escrever algo que não me soe como autoajuda, como frase de um poster com uma mulher-de-braços-abertos-em-frente-ao-mar-com-o-sol-se-pondo?

Enfrento um imperativo da nossa cultura: a tristeza é bela e sublime, a felicidade é vulgar. Com a Disney e Hollywood e as novelas das 8, a felicidade voltou pra arte, mas apenas como objetivo final, como recompensa depois de 90 minutos ou 8 meses de choro, desencontros e sofrimento. A felicidade só é aplaudida quando ela é um exemplo de superação, um ato de heroísmo, um "estou feliz apesar de tudo", e não por tudo - as histórias "inspiradoras" do facebook (que eu odeio) são basicamente isso, um sentimentalismo que elogia a felicidade quando ela é difícil.

Sofrer é bonito. As coisas mais bonitas que eu escrevi, escrevi quando estava chorando sozinha no frio na penumbra do meu quarto. Quase morri, mas meus diários têm coisas lindas! Nos meus momentos mais felizes, fiz tudo, menos escrever: estava vivendo, correndo ao sol (saudades, sol), rindo, lendo, amando.

Agora tou feliz, mas não há sol. Quero escrever, porque afinal, amo escrever, e quando estou feliz, gosto de fazer coisas que amo (ou fazer as coisas que amo me deixa feliz).

Começo, depois leio o que escrevi. Tudo parece óbvio demais, simples demais, repisado demais. Credo, essa linha poderia ter sido escrita pelo Paulo Coelho!

E aí meus escrúpulos estéticos me impedem de continuar. Mas, calma, é só alguma coisa correr* mal, é só aquela onda de melancolia inspirada pelo céu cinzento se espalhar por mim, que sinto aquela doce inspiração - oh, o que são isso? lágrimas? yeah! posso escrever!  

Não quero subordinar uma coisa que amo fazer a um estado de espírito triste e abatido, romântica e idealmente pálido. O problema de ser feliz é que isso, para pessoas adultas e responsáveis por suas próprias escolhas, é muito fácil. É óbvio, é simples, é nítido. E, na nossa cultura que celebra heróis e heroínas, marias do bairro e meninos sofredores que "venceram" na vida, o que tem valor é o que é realmente difícil. Então, se essa mesma cultura coloca como fim último da vida atingir a felicidade - que deve ser desejada, buscada, procurada, conquistada; esse fim último, nobre, tem que ter valor, tem que ser difícil.

E então temos trocentas pessoas privilegiadas, adultos responsáveis por suas próprias escolhas, que precisam acreditar todos os dias que ainda não são felizes, porque dizer o contrário os deixaria perdidos, sem uma próxima meta. É essa a origem do mimimi nosso de cada dia.

Se, de outra maneira, colocássemos como objetivo último da vida sermos boas pessoas, ou sermos justos, ou honestos, ou solidários, ou generosos, ou trabalharmos por um mundo onde mais pessoas possam ser adultos responsáveis por suas escolhas (a.k.a potencialmente felizes), a felicidade assume o seu lugar modesto, óbvio e simples de ponto de partida, de meio, não de fim. A felicidade vira combustível, energia para trabalharmos mais por um mundo onde mais pessoas possam ser adultos responsáveis por suas escolhas, ou para sermos melhores pessoas, mais justas, honestas, solidárias, generosas.

E isso sim é difícil. 

Mas essa nossa cultura doente mascara uma coisa extremamente fácil (que é sentir-se feliz por ter um teto, um emprego, e fazer três refeições por dia) com um verniz de heroicidade, para que nós fiquemos eternamente presos a essa pequena glória (olha só minha nobreza, sou feliz com pequenas coisas!), nos sintamos extremamente lesados e violentados quando uma dessas constantes falha (hoje o dia foi tão cheio que nem tive tempo de almoçar, acredita? não tá fácil...) e, pior e mais importante, não tenhamos tempo nem energia para trabalharmos por algo realmente difícil (ajudar quem não tem um teto, um emprego e não faz três refeições por dia, ou seja, olhar pra quem não é privilegiado, como a gente).

Digo "nossa" cultura, porque nesses alguns anos de vida, meus diários testemunham que o que eu fiz foi me debater entre dúvidas e incertezas e mimimis - com alguns momentos de lucidez, quando deixei de cuidar do meu mundinho para olhar para o outro, graças à política e à religião - até ter o tempo, a paz e honestidade necessárias pra reconhecer que eu sou uma adulta responsável pelas minhas escolhas - e, portanto, minha vida é produto dessas minhas escolhas, e, portanto, a felicidade não tem essencialmente nada a ver com o que é externo a mim, com o que acontece à minha volta, e, sim, com a qualidade das escolhas que eu faço diante do que acontece.

Essa última deve estar em todos os livros de autoajuda - está nos livros de literatura "canônica" também, de formas diferentes, e eu tive que ler e ouvir isso algumas milhares de vezes pra deixar de lado meu ceticismo e acreditar de verdade que para as pessoas privilegiadas a felicidade é simples assim - e mais ainda, para assumir que eu era uma dessas pessoas privilegiadas (porque eu sou meu pai é ricao!).

Voltando à questão primeira que motivou esse texto: O que escrever, agora que não tenho do que reclamar? Me sinto um alien nas rodinhas de conversa (a.k.a redes sociais) em que todo mundo reclama. Minha felicidade chega a ofender essas pessoas que acreditam piamente que têm vidas realmente difíceis, duras, ingratas (e de acreditarem nisso com tanta força, acabam tendo mesmo, coitadas).

Decidi que vou escrever o óbvio. Se o que for óbvio pra mim for também pra mais gente, reconheço meus iguais, meus amigos, meus queridos. Se o que for óbvio pra mim não o for pra outras pessoas, abro para elas uma nova janela por onde ver o mundo. Com a energia que me sobra agora que eu não a consumo em mimimi's eternos, vou olhar para o outro com generosidade e afeto, vou tratá-lo com honestidade e respeito. E, na minha arte, vou tentar representá-lo com a intimidade e a humanidade que dedico a mim própria.
E isso, sim, é difícil.

Exorcizei o fantasma da originalidade que me perseguia. O que escrevo é original porque tem minha voz, porque sou eu a dizê-lo, e ponto. A minha felicidade é original porque tem o som do chiado que faz a cebola quando encontra o óleo quente da panela quando eu cozinho, o cheiro do café pronto de manhã que me leva automaticamente pras manhãs da minha casa (pro calor do colo da minha mãe), a cor da fumaça do chá que minha vizinha prepara pra mim enquanto eu espero sentadinha, de pantufas. 

E é dela que vou falar, e é com a força dela que vou escrever - que escrevi esse texto, simples, óbvio, belo, meu. 

1 comentários:

VampiraP 24 de janeiro de 2014 às 20:42  

Laranjinha, você sempre me surpreende. Apesar desse texto ser seu, parecia que era algo que eu estava escrevendo.
Já passei por isso de achar que eu era triste e meus problemas os maiores do mundo.
Já passei que reconhecer que sou feliz e sortuda foi difícil porque a gente só valoriza quem é triste e que sofre, independentemente de como sofre e cultiva essa tristeza.
Já passei de olhar pro próximo sem meus olhos, e sim, com os olhos deles. Talvez a coisa mais difícil que eu faça e até hoje vacilo nessa e ainda há muito para vacilar porque é impossível eu saber o que passa na cabeça de cada um.
Já passei de notar que as pessoas reclamam e ficar "gente, que tou fazendo aqui?".
E ao ler esse texto, por mais óbvio que seja, mostra a importância de como é bom ser feliz e de como não valorizamos isso e achamos errado. É bom ver que há mais pessoas assim no mundo. Quem sabe podemos mostrar isso a outros e juntos vamos fazer pessoas mais felizes. :)

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