avulsas #2

>> quinta-feira, 19 de abril de 2012

Trecho de O mal-estar na civilização, de Freud, 1930, p. 28 desta edição.

Apesar dessa incompletude da nossa investigação, arrisco-me a fazer algumas observações conclusivas. O programa de ser feliz, que nos é imposto pelo princípio do prazer, é irrealizável, mas não nos é permitido, - ou melhor, não somos capazes de - abandonar os esforços para de alguma maneira tornar menos distante a sua realização. Nisso há diferentes caminhos que podem ser tomados, seja dando prioridade ao conteúdo positivo da meta, a obtenção do prazer, ou ao negativo, evitar o desprazer. Em nenhum desses caminhos podemos alcançar tudo o que desejamos. No sentido moderado em que é admitida como possível, a felicidade constitui um problema da economia libidinal do indivíduo. Não há, aqui, um conselho válido para todos; cada um tem que descobrir a sua maneira particular de ser feliz. Fatores os mais variados atuarão para influir em sua escolha. Depende de quanta satisfação real ele pode esperar do mundo exterior e de que até que ponto é levado a fazer-se independente dele; e também, afinal, de quanta força ele se atribui para modificá-lo conforme seus desejos. Já neste ponto a constituição psíquica do indivíduo, à parte as circunstâncias externas, será decisiva. Aquele predominantemente erótico dará prioridade às relações afetivas com outras pessoas; o narcisista, inclinado à autossuficiência, buscará as satisfações principais em seus eventos psíquicos internos; o homem de ação não largará o mundo exterior, no qual pode testar sua força. Para o segundo desses tipos, a natureza de seus dons e a medida de sublimação instintual que lhe é possível determinarão onde colocará seus interesses. Toda decisão extrema terá como castigo o fato de expor o indivíduo aos perigos inerentes a uma técnica de vida adotada exclusivamente e que se revele inadequada. Assim como o negociante cauteloso evita imobilizar todo o seu capital numa só coisa, também a sabedoria aconselhará talvez a não esperar toda satisfação de uma única tendência. O êxito jamais é seguro, depende da conjunção de muitos fatores, e de nenhum mais, talvez, que da capacidade da constituição psíquica para adaptar sua função ao meio e aproveitá-lo para conquistar prazer.

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Mas por que a Igreja se mete?

>> quinta-feira, 12 de abril de 2012


Como de costume, mais uma vez tomo uma posição frente o debate corrente na mídia e nas redes sociais.
Dessa vez faço isso como uma resposta ao que não consigo compreender bem: o porquê de as manifestações pró interrupção da gravidez (aborto) de fetos anencéfalos virarem, em suma, manifestações anti-cristãs.



Por que me persegues?
Muitos defendem que esse debate é político e, uma vez que o Estado é laico, as instâncias religiosas devem ficar fora dele. Mas, dizer que o Estado é laico não é dizer que a Igreja é apolítica! Não vivemos (nós, cristãos) em guetos restritos, regidos por nossos princípios, vivemos num Estado de direito democrático, no qual a sociedade é convidada a opinar em assuntos controversos, e nós, quem diria, fazemos parte dessa sociedade. Mais que isso: constituímos um grande segmento dela, nossa opinião pode e deve ser ouvida. 

A segunda razão pela qual "a Igreja tem que se meter", é que somos uma igreja missionária por natureza, quer dizer, somos chamados a evangelizar, não a nos fecharmos no confortável espaço em que todos pensam como a gente. Aquele que professa a fé cristã tem o dever ético e moral de espalhar e defender a sua verdade.

Dito isso, não entendo o porquê de tantas manifestações de condenação das igrejas cristãs por cumprirem sua própria vocação: a de espalhar uma mensagem de Vida a todas as nações. O que vejo é que muitas pessoas se colocam não a favor do aborto, mas contra a Igreja, às vezes com mais fervor e devoção do que os próprios fiéis.

Essa postura foge ao centro da questão em debate. Porque enfrentar a questão em debate é muito mais complexo, e nos obriga a enfrentar e definir melhor nossas próprias convicções.

Para mim, por exemplo, que fui educada com uma ideologia feminista, acreditando e defendendo os ideiais de liberdade da mulher sobre seu corpo, e que, com essa convicção já formada, me converti ao catolicismo, essa questão rendeu muitos pensamentos contraditórios. O que me fez decidir, finalmente, minha posição foi uma resposta honesta a duas questões cruciais:

Onde começa a vida? Para mim, começa no momento de fecundação do óvulo, quando o embrião é formado. Ali já há uma vida. É claro que a perda de uma pessoa conhecida e a perda de um feto em gestação têm valores sentimentais diferentes pra mim. A memória, a saudade, e a compaixão (imaginar o sofrimento do outro, e sofrer junto com ele) por uma pessoa com quem convivo são mais intensos, é óbvio. Mas o pesar pelo fim de fim de uma vida humana é o mesmo.

Nesse caso, o aborto provocado e intencional, pra mim que considero a vida que se inicia na fecundação, é a mesma coisa que assassinato. Se pra você a vida começa depois disso, nossa discussão para por aqui, porque partimos de premissas diferentes. Se você concorda comigo, vamos para a segunda questão crucial:

Há justificativa para se matar alguém? Essa é a pergunta mais difícil de se responder, e é a que define a prioridade da vida humana pra cada um de nós. A minha resposta, é não. Para mim, o valor da vida humana é absoluto, não é relativo. Mas essa não é uma questão fácil de ser respondida: é uma das grandes questões éticas das sociedades e de cada homem em particular. Eu, hoje, não mataria, nem consentiria com nenhuma espécie de assassinato. Não sacrificaria uma vida para salvar muitas, ou para salvar a minha ou a de alguém que eu amo, para vingar, para fazer justiça, para punir, para ajudar alguém a sair do sofrimento (como na eutanásia), ou para evitar o meu próprio sofrimento, e isso define a questão: eu não acho justificável acabar com uma vida humana, que vale tanto quando a minha, para que eu viva, ainda que essa vida seja de bandido, de um assassino, de um terrorista, de velho, de um doente, de um feto anencéfalo...


Essa é uma atitude racional? É claro que não. A razão prega a lei do mais forte, o humanitismo de Quincas Borba: ao vencedor, as batatas! 
Mas, o que esses iluministas tardios do século XXI parecem ignorar é que a racionalidade não trabalha tendo como valor principal a vida. Ao contrário, a razão, por si só, nos levou e continuará nos apontando os caminhos do suicídio (quantas vezes te faltou um motivo razoável para continuar vivendo?), do assassinato (matamos um terrorista, mas salvamos milhares de vidas! As pessoas superiores têm o direito de matar as inferiores!), do genocídio (só a raça pura deverá sobreviver!), os caminhos de uma cultura da relativização da vida humana, segundo a qual o sadio vale mais que o doente, o jovem vale mais que o idoso, o branco vale mais que o índio, o honesto vale mais que o bandido.

A razão, tão evocada nos debates éticos, já levou o homem às maiores atrocidades. Razoavelmente, viver e deixar que os outros vivam é um grande risco. Nascemos sabendo que podemos morrer a qualquer momento, embora queiramos afastar dos olhos essa possibilidade. 
Zupt, e você morreu. 
E por isso, por que vamos morrer de qualquer jeito (em 72 horas, em dois anos, em dezenove anos, em noventa anos), deixamos de viver? Porque nossos filhos vão morrer de qualquer jeito, vamos deixar de ter filhos? 

"Olha, mãezinha, de acordo com as estatísticas, seu filho tem 70% de chances de morrer baleado pelo tráfico ou pela polícia entre os 16 e os 23 anos... Pra que gerar esse filho? Evita esse sofrimento pra ele e pra você..."

"Olha, mãezinha, 85% das crianças aqui do sertão não vingam, morrem de inanição antes dos 2 anos de idade, vamos evitar essa perda!"

"Olha mãezinha, não vamos ter esse filho, não... ele vai morrer um dia. ele vai sofrer, vai te decepcionar, vai te fazer sofrer, você e a sua família toda... e depois disso, ele vai morrer! Pra que dá-lo à luz, SABENDO que ele vai morrer?"

***

Não, não vamos. Porque viver, (lidem com isso, racionalistas) é um ato de fé. Fé na vida, fé em Deus, fé no futuro, fé no homem, fé no universo que seja, mas fé. Ninguém suportaria as dores de hoje se não acreditasse na cura de amanhã, ainda que tudo indique que essa cura não virá. Mas o vivente espera, paga pra ver, porque acredita, porque tem fé. 

Uma sociedade que tem como valor absoluto o respeito à vida humana (e não necessariamente uma sociedade cristã) não admite, como eu não admito, o aborto, a eutanásia, a pena de morte.

Por isso, depois de divagar muito, volto pro pra pergunta que motiva esse post: Por que a igreja cristã tem que se meter? Porque ela é, sim, uma parte política dessa sociedade, e porque ela, por sua missão, precisa espalhar uma cultura que valorize a vida humana, acima de qualquer outro valor, de qualquer impasse ético, de qualquer cálculo numérico, de qualquer medida médica!

Compartilhar uma imagem ou cinco linhas indignadas no Facebook é bem mais fácil do que enfrentar nossas próprias verdades inconfessáveis, eu sei. Mas tente resolver essa questão pra você mesmo, em vez de pregar um anti-cristianismo rancoroso e intolerante. Provavelmente você vai encontrar alguns monstrinhos aí dentro que gritam que bandido tem mesmo é que morrer, que a mulher pode passar por cima de qualquer valor para defender sua integridade, e que às vezes, matar é na verdade um ato de justiça. Nesse caso, amigo, estaremos sempre em lados opostos em nossos debates dessa natureza. Mas eu sempre serei um dos lados nesse debate, independentemente da decisão de qualquer tribunal.



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