sobre aproveitar a vida

>> domingo, 28 de agosto de 2011

Olá, queridos quatro leitores desse blog! Terminei as resenhas de uma das disciplinas do mestrado, sobre literatura e morte, e ainda falta fazer as resenhas dos livros da disciplina sobre memória, mas elas podem demorar um pouquinho porque o novo semestre da UnB já começou e promete ser mais punk do que o primeiro... então, um dia elas aparecem aqui no blog, só não sei quando. Enquanto elas não chegam, leiam os livros indicados :)

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Cuidado! O texto abaixo pode conter um alto teor de autoajuda, senso-comum, redundâncias e obviedades! Mas se você tem twitter ou facebook, você já está acostumado com isso, então, aproveite a leitura.

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Desde que eu me entendo por gente já ouvi falar muito sobre aproveitar a vida, sobre viver a vida. "Bruna, deixa de ser nerd, para de ler, vai aproveitar a vida! Vai sair, vai namorar, vai dançar, vai aproveitar a vida! Bruna, pra que fazer faculdade agora? Vai aproveitar a vida! Bruna, pra que fazer mestrado agora? pra que namorar sério agora? pra que ser concursada agora? Pra que ser religiosa agora? Você é jovem, vai aproveitar a vida!" Ou então: "É, Bruna, você tá certa, faça alguns sacrifícios agora, e depois você vai ter tempo e dinheiro pra aproveitar a vida. Invista tudo agora que você é jovem, e mais tarde você vai poder aproveitar."

Aposto que vocês já devem ter ouvido esses dois tipo de "conselheiros" (ou intrometidos mesmo) muitas e muitas vezes. Acredito que escolher um lado ou outro é irrelevante se não tivermos claro o que o conceito de "aproveitar a vida" representa pra gente. Pra você, o que é aproveitar?

Luisa tem 17 anos. Acredita ter os melhores amigos no mundo. Recentemente declarou para os pais que queria ser "independente": queria sair sem ter hora pra voltar, com quem quisesse, pra onde quisesse, afinal, até esse momento ela nunca dera trabalho pros pais - tirava as melhores notas, andava nas melhores companhias e não era a pior das filhas, preguiçosa e desobediente às vezes, mas nada que embranquecesse os cabelos dos pais - e decidira que agora era tempo de colher as recompensas por tantos anos de "boa filhice" e finalmente aproveitar a vida. Os pais, é claro, disseram um redondo e sonoro Não para Luisa. O que não a impediu de se jogar no que ela considerava ser seu novo estilo de vida: um estilo em que aproveitava a vida! Luisa agora sai pra balada, do techno ao axé, da rave à micareta, do sertanejo ao pagode, e deixou seu pop rock pra lá. Luisa, que sempre foi tímida, agora dança, beija, pergunta, fala alto e ri, sai de casa sem ter hora pra voltar, mata aula pra beber vinho na casa das amigas, brinca de verdade ou consequência, experimenta seu primeiro cigarro, responde os professores - porque decidiu que seria livre pra "falar na cara" tudo o que bem entendesse. Luisa agora é popular, é consultada e ouvida pelas amigas, conquista, beija e se diverte com meninos bonitos quando bem entende e prova pro ex que não precisa mais dele, é "brother" dos professores mais moderninhos que gostam do seu jeito irreverente, e, depois de brigas e mais brigas, os pais e os irmãos desistiram dela - ou a "deixaram em paz", como ela gosta de pensar. Luisa é livre, Luisa está aproveitando a vida. 

Marcela tem 23 anos e acabou de se formar. Namorou durante toda a graduação, não foi a nenhum dos famosos churrascos com fama de bacanais da Universidade, não teve encontros furtivos e secretos com nenhum professor. Marcela já trabalha mas ainda mora com os pais, aos quais entende que deve respeito, satisfações e justificativas. No pouco tempo livre que tem entre o trabalho e o convívio com o namorado e a família, Marcela vai à igreja e estuda para conseguir um emprego melhor. Não vai a festas, não bebe, não tem amigas solteiras, e só faz sexo com o namorado quando ele insiste muito e consegue driblar as suas defesas morais. Não se sente infeliz, no entanto. Marcela tem plena consciência de que alguns sacrifícios devem ser feitos agora para que ela possa colher bons frutos no futuro - sair da casa dos pais casada, e aproveitar um ou dois anos de vida a dois com o futuro marido e atual namorado, antes de realizar seu sonho de ser mãe. E esse "aproveitar" do futuro não diverge muito do presente: é só uma espécie de "upgrade": um pouco mais de dinheiro, um pouco mais de sexo, um pouco mais de tempo, um pouco mais da vida, é tudo o que ela quer. Está tudo planejado e Marcela não duvida nem por um instante do futuro que escolheu pra si mesma. Marcela é livre e está construindo uma vida bem vivida.

Eu sei que ao longo da sua vida você já teve seus momentos de Luisa e os de Marcela, ou que você aprova o estilo de uma e despreza a conduta da outra. Mas Luisa e Marcela são personagens, maus personagens, estereotipados, unidimensionais e previsíveis. Pessoas não são assim - pelo menos não deveriam ser. Nós duvidamos, experimentamos, mudamos, crescemos. E um ponto chave nesse crescimento é saber o que é aproveitar, o que é "carpe diem", "seize the day", o que é "viver intensamente", o que é "viver a vida". Saber se devemos viver assim ou não é secundário. 

Alguns leitores acharão que Luisa não está perdendo tempo: aproveitar a vida é mesmo sair pra balada, tomar uns porres, participar de umas orgias, pegar sem se apegar, dia após dia, após dia. Aproveitar é tirar o máximo de prazer das coisas. Viver bem é viver prazerosamente. 

Outros estarão ao lado de Marcela: é preciso ter comedimento, é preciso pensar no futuro, é preciso sacrificar o presente em favor do amanhã, mesmo que esse presente seja apagadinho, sem grandes emoções - até melhor que seja assim, pra deixar a gente mais "pé no chão".

Eu já estive dos dois lados, tenho um pouco de Luisa e de Marcela. Nenhuma das duas me agrada, nenhuma das duas realiza o meu conceito de aproveitar a vida. Luisa está mentindo pra si mesma, acha que está aproveitando a vida porque os outros acham isso também. É um prazer que vem de fora, que é artificial. Marcela tem medo de arriscar, medo de sair da sua zona de segurança, de sair do contexto em que está tudo certo e planejado, e seu prazer vem de uma falsa ideia de controle sobre seu destino.

Não importa realmente o modo que as duas escolheram para aproveitar a vida e, sim, as razões que as fizeram escolher esse modo. Pra mim, as duas são razões erradas. Aproveitar a vida, pra mim, hoje, é experimentar, é ter coragem de conhecer o que está além de mim, inclusive além do meu prazer e além do meu controle. É saber que, sim, eu sou vulnerável, e por mais independente, cuidadosa ou forte que eu seja, por mais coisas que eu tenha conquistado e feito - sou mortal, ou melhor, sou "morrível". E em face à morte, muitas das grandes realizações que eu julguei ter feito tornam-se insignificantes. Então, sempre penso que viver em função do futuro não vale a pena. Eu não faria nada do que faço - namorar, trabalhar, estudar, ser religiosa - se não sentisse nenhum prazer nisso. Se faço isso tudo é porque gosto. É porque tenho prazer em me sentir útil trabalhando, tenho prazer em estudar literatura e compreender um pouco mais o mundo e a mim mesma, tenho prazer em dividir minha vida com uma - e só uma - pessoa, tenho prazer em buscar a Deus. É claro que não sinto prazer nisso o tempo todo. Mas a infelicidade, a angústia e a dúvida são parte do viver. A ideia de que aproveitar a vida é evitar a dor, de que sofrer é desperdício de tempo é falsa, enganosa, é até cruel, porque cria pessoas angustiadas e covardes que vivem uma imitação de vida.

Por outro lado, não descarto a ideia de que um dia, no futuro, se eu estiver viva até lá, essas coisas -  trabalhar, estudar, namorar, ser religiosa - podem não me dar mais prazer ou nenhum tipo de satisfação, por um tempo que seja superior ao de uma "crise". E aí, eu espero ter a coragem de lutar contra a acomodação e mudar outra vez, experimentar de novo, tentar o desconhecido.

Liberdade também é isso: poder escolher ao que você vai se prender. Viver a vida é isso: é ter coragem de tentar o novo, coragem de permanecer o mesmo, coragem quando a vida te pede coragem.

7 comentários:

Daniel Moussallem,  30 de agosto de 2011 às 00:11  

FIRST!!

Bruna,  30 de agosto de 2011 às 17:13  

Tá mais pra "Forever alone" :P

Daniel Moussallem,  3 de setembro de 2011 às 05:57  

O seu post, né? Hahahaha!

Michele Pandini 5 de setembro de 2011 às 14:18  

Disse tudo Laranjinha! Concordo bastante com o que você disse. Ninguém tem uma fórmula do que é aproveitar a vida mas o que importa é aproveitarmos ela do jeito que gostamos!

E adorei ser uma das 4 leitoras! KKKKK

Brilla,  30 de janeiro de 2012 às 15:31  

Arrumou uma quinta leitora agora. Adorei o texto,me fez pensar.
Bjo, Brilla

Laís Karolinne,  30 de janeiro de 2012 às 20:41  

Que reflexivo! hummm muito bom amiga!
Acredito sempre nas mudanças, algumas radicais, outras nem tanto, mas mudar é necessário. Acho q todas e todos devemos experimentar ser uma Luisa e uma Marcela na vida!

Anônimo,  16 de fevereiro de 2012 às 09:47  

Li teu texto e gostei muito, cheguei aqui porque estava procurando algo sobre "aproveitar a vida", estou com 49 anos e o que tenho feito nesses ultimos meses é pensar sobre o que foi a minha vida até agora, e olha, o balanço não foi bom, perdi muito tempo protelando coisas...tipo, amanhã eu faço isso...Não é nada bom chegar a conclusão de que o tempo passou e pouco foi aproveitado por tua total culpa.

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