#RLL - Gargântua e Pantagruel

>> domingo, 10 de julho de 2011

"E se desejais ser bons pantagruélicos 
quer dizer, viver em paz, alegria, saúde, sempre se divertindo)
 não fieis jamais nas pessoas que 
olham pelo  buraco da fechadura" 
(RABELAIS, 1991, p. 426)   
"Muito mais vale o riso do que o pranto.
Ride amigo, que rir é próprio do homem"
(RABELAIS,  1991, p. 31)

Depois de uma pausa motivada pela última semana do semestre (primeiro semestre como mestranda, YEY!), volltamos com as nossas Resenhas Literárias Livres!


#rll - Gargântua e Pantagruel
Disciplina - Literatura comparada: literatura e morte
Autor: François Rabelais (lê-se "françoá rab'lé", é francês)
Ano: séc. XVI - Os cinco livros que compõem a obra foram publicados entre 1.532 e 1.553

Rabelais
Em cinco livros, o mestre Alcofribas Nasier, (anagrama de Fronçois Rabelais) narra os divertidos e inusitados acontecimentos da vida do gigante Gartântua e de seu filho, Pantagruel. 

Escritos no Renascimento por um controverso autor, os cinco livros tem como matéria prima a cultura popular - as festas, os ditados, as anedotas, os mitos - aliada à erudição do autor-padre-médico, que cita filósofos gregos e latinos e doutores da Igreja.
Apesar de ser cristão, Rabelais foi criticado e perseguido pela Igreja Católica, por Calvino e pela Sorbonne, devido ao conteúdo (muito) obsceno e por vezes herético de sua obra.

O teórico da cultura e da literatura Mikhail Bakhtin fez do estudo de obra desse autor a sua tese de doutorado, que foi publicada como livroA cultura popular na Idade Média e no Renascimento, o contexto de François Rabelais. 
Gargântua bebê
Em sua tese, Bakhtin discute e exemplifica a presença e a origem de elementos da cultura popular na obra de Rabelais, como o riso, o vocabulário da praça pública, as formas e imagens da festa popular, o banquete, a imagem grotesca do corpo, entre outros, e aponta para a importância dessa obra como paradigma das que se seguiram na modernidade.
Entre as fontes históricas e literárias do riso em Rabelais, Bakhtin destaca a influência de Luciano de Samósata, de quem já falamos nas #rll.

Do estilo de vida de Pantagruel (gigante-filho) originou-se o termo pantagruelismo: uma filosofia de vida segundo a qual o que importa na vida é rir gozar dos prazeres da comida, da bebida e do sexo! Por isso, numa leitura bem simplista, o livro é repleto de de referências escatológicas ao corpo e às necessidade corporais,  muita comilança, bebedeira e putaria (ops, falei).
Rabelais critica e zomba por meio do riso e da ridicularização os poderes e a seriedade do governo, do clero e dos acadêmicos pedantes. Escandalizou quando foi publicado e escandaliza ainda hoje os olhos virgens dos leitores mais tímidos e puritanos.

Pantagruel bebê
Eu poderia ficar aqui dissertando sobre a influência desse livro na literatura ocidental moderna, sobre seus elementos renascentistas, a presença da oralidade, sobre a morte saturnal e o papel do carnaval na cultura popular trabalhada por Rabelais, maaas, como o que me interessa no blog é despertar em vocês o desejo e a curiosidade da leitura - seja pelo motivo que for, eu fico por aqui e deixo alguns trechos divertidos. Apesar de serem 2 volumes de umas 500 páginas cada (são muitas por causa das ilustrações de Gustave Doré), vale muito a pena conhecer o universo de cabeça pra baixo desse fanfarrão que é Pantagruel! 




O simpático Grandgousier [pai de Gargântua], bebendo e se divertindo com os outros, ouviu o grito horrível que o filho tinha dado ao entrar na luz desse mundo quando bradava: "Beber, beber, beber! (RABELAIS, 1991, p. 60)
Dos três até os cinco anos, Gargântua foi nutrido e instruído com toda a disciplina conveniente, por ordem de seu pai, e o seu tempo se passou como dos meninos do país: quer dizer, bebendo, comendo e dormindo; comendo, dormindo e bebendo; dormindo, bebendo e comendo (RABELAIS, 1991, vol. 1, p. 75).
Panúrgio tinha sessenta e três maneiras de arranjar dinheiro segundo a necessidade, das quais a mais honrosa e comum era a subtração de bens furtivamente praticada; era também trapaceiro, batoteiro, beberrão, vagabundo se estava em Paris. E, ao mesmo tempo, um ótimo rapaz e sempre maquinando alguma coisa contra os mantenedores da ordem (RABELAIS, 1991, vol. 1, p. 342).
- Serei corno?
- [...] Que me perguntais? Se sereis corno? [...] Escrevei esta palavra em vosso cérebro com um estilete de ferro, que todo homem casado corre o perigo de ser cabrão. A cornice é um dos apêndices naturais do casamento. A sombra não segue mais naturalmente o corpo do que os chifres seguem os homens casados  (RABELAIS, 1991, vol. 1, p. 553).
Especificamente para a disciplina de literatura e morte, interessa a passagem na qual Panúrgio, amigo de Pantagruel, traz de volta à vida o companheiro Epistemon, morto em batalha:
De súbito Epistemon começou a respirar, depois abriu os olhos, depois bocejou, depois espirrou, depois deu um peido com todo o gosto. Então disse panúrgio: "A estas horas ele está seguramente curado". E deu-lhe a beber um copo de vinho branco, com um assado açucarado. Dessa maneira, Epistemon se curou, exceto que ficou resfriado durante mais de três semanas, e com uma tosse seca de que não se conseguiu curar-se senão bebendo muito. E então começou a falar, dizendo que tinha visto os diabos, conversado familiarmente com Lúcifer e se divertido muito no inferno e nos Campos Elíseos. E afrimava na frente de todos que os diabos eram bons sujeitos (RABELAIS, 1991, vol. 1, p. 404) 
E o recém-ressuscitado segue contando que no inferno todo mundo que era importante na terra não é mais, por exemplo, Alexandre, o Grande, no inferno remenda calções. Segundo Augusto Rodrigues, professor da disciplina: O inferno, em Gargantua e Pantagruel, também é um lugar próspero, movimentado, como o ambiente das feiras. Os seres comem, dançam, bebem, amam, trabalham, mendigam, regozijam-se. Mudam-se papéis, mas as necessidades continuam as mesmas. A morte não iguala, ela inverte. Maiores viram menores, miseráveis e filósofos são beneficiados pela nova condição.


Enfim, pra terminar esse post que já vai ficando muito acadêmico (influência dos artigos que eu tive que concluir semana passada), é importante dizer que esse livro marca a entrada dos diálogos dos mortos na modernidade, ainda cínica, mas individualizada, diferentemente da distância histórica e épica da epopeia e da centralidade teológica da Idade Média.

Daqui pra frente nossos livros contemplarão cada vez mais os problemas e angústias dos indivíduos - sem que a coletividade deixe de ser também representada.

1 comentários:

Reginaldo 9 de abril de 2013 às 10:01  

Caro Citrus,

muito legal seu blogue e especialmente esta postagem.
Você poderia passar a referência completa deste "Rabelais, 1991"? É a tradução do David Jardim Júnior?
Obrigado,

Reginaldo Francisco

Postar um comentário

  © Blogger template Simple n' Sweet by Ourblogtemplates.com 2009

Back to TOP