A gosto da estrada #4

>> quarta-feira, 8 de maio de 2013

Depois de horas na estrada, o ônibus que vai de Santa Cruz de la Sierra a Sucre para em algo que em bom português seria uma birosca - um casebre mal iluminado e solitário encrustado no meio dos Andes, onde se podia comprar biscoitos, tomar chá de coca e usar o que pretensiosamente era chamado de banheiro.

Em meio a lugar nenhum, Bruna vê a oportunidade de se aproximar do único viajante que fala inglês. Aliás, do único viajante que também parece considerar aquela jornada em meio a despenhadeiros uma aventura, e não mais um trajeto corriqueiro.

Norito, assim se chama o japonês. Tem vinte anos estuda "business" no Japão, e, depois de muita insistência, foi autorizado pelos pais a empreender sua solitária viagem. Começou por seu país natal, e depois andarilhou por  Irã, Vietnã, Egito, Emirados Árabes, Argentina e Paraguai, de onde viera para a Bolívia. Dali partiria para o Peru e depois regressaria à terra do sol nascente. Não visitaria o Brasil. "Too dangerous".



Ao amanhecer o ônibus chega a Sucre, a cidade branca, constitucionalmente, a capital da Bolívia. Os dois viajantes, agora amigos, partem juntos da rodoviária para o hostel indicado num papel que uma jovem boliviana acabara de lhes entregar. Depois de verificar a veracidade do anúncio - chuveiro quente! - e de reorganizar sua mochila, Bruna sai em direção à Praça Central (também de Armas). Na primeira esquina, um pelotão de homens iguais, de pele morena, cabelos grossos e lisos e estatura mediana, tinge a rua de um amarelo vivo. É estranha a ausência de um cordão de um isolamento que divise os passantes dos que participam do desfile. O batalhão se concentra em frente à Iglesia de San Francisco, onde turistas e locais podem visitar o sino da liberdade - cujo soar anunciou incessantemente - a ponto de provocar uma rachadura - a independência do país da coroa espanhola, na revolução de 1809. Dezesseis anos de guerra se seguiram,
até que o país se consolidasse como república, num dia seis de agosto, que passou a ser comemorado no país como o Dia da Pátria.









A próxima atração a ser visitada em Sucre é seu 
parque Cretácico - um complexo construído para que turistas e pesquisadores pudessem ver de perto um paredão com pegadas de dinossauro. O táxi que conduz  Bruna se embrenha por caminhos cada vez mais ermos. Notando a apreensão da passageira, o taxista explica: o parque fica ao lado de uma fábrica de cimento - a fábrica que descobriu as pegadas durante suas escavações. A área claramente é de periferia: as pessoas que ali vivem giram em torno da fábrica: trabalhadores, cozinheiras, seus filhos.

As pegadas foram preservadas durante muitos anos, e, durante a recente formação da cordilheira dos andes, o que era plano virou relevo, e assim as pegadas saíram do "chão" e foram encontradas na posição vertical.

Já sabendo o caminho, ela vai embora do parque usando o transporte coletivo: velho, lotado - a porta sequer fecha ao longo do trajeto. O subir e descer dessa gente - mães e seus muitos filhos, velhos, cholas de longas tranças e olhar severo, toda a espécie de gente a que se costuma chamar "povo" dá a Bruna uma sensação de pertencimento àquela terra. Naquele ônibus velho era mais uma a andar num ônibus velho, como o tinha sido a vida toda. Não se sentia estrangeira. Sentia estar mais próxima daquela gente do que as pessoas que moravam confortavelmente no centro da célebre cidade jamais estiveram - do que gente como os donos da fábrica vizinha jamais estarão. 




0 comentários:

Postar um comentário

  © Blogger template Simple n' Sweet by Ourblogtemplates.com 2009

Back to TOP