#RLL - As relações perigosas

>> segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Resenha Literária Livre

As relações perigosas
Choderlos de Laclos

Carta 81,
DA Marquesa de Merteuil
AO Visconde de Valmont

[...] Para vocês, homens, as derrotas não passam de vitórias a menos. Nesse jogo tão desigual, nossa sorte está em não perder, enquanto para vocês o azar está em não ganhar. [...] Ah, guarde seus conselhos para essas mulheres delirantes, que se dizem mulheres de sentimentos, cuja imaginação exaltada inclina a pensar que a natureza lhes pôs os sentidos na cabeça; que, nunca tendo refletido, confundem constantemente o amor com o amante;  que, em sua louca ilusão, acreditam que este com quem buscaram o prazer será seu único depositário; e, autênticas superticiosas, nutrem pelo sacerdote o respeito e a fé devidos à divindade.
Desconfie igualmente daquelas que, mais presumidas que prudentes, não sabem, se necessário, consentir em serem deixadas.
Tome tento sobretudo com essas mulheres ativas em sua ociosidade, que vocês denonominam sensíveis, de quem o amor se apodera com tanta força e facilidade, que sentem a necessidade de continuar envolvidas com ele, mesmo que não o desfrutem; e que, entregando-se sem reservas à fermentação de suas idéias, geram com elas cartas tão doces, e tão perigosas de escrever; e não temem em confiar essas provas de sua fraqueza àquele que as suscita: imprudentes que, em seu atual amante, não sabem enxergar seu futuro inimigo.
Mas o que tenho eu em comum com essas mulheres irrefletidas? Quando foi que me viu apartar-me das regras que me impus e faltar a meus princípios? Digo meus princípios, e o faço de propósito, pois não são, como os das outras mulheres, nascidos ao acaso, aceitos sem reparo e seguidos por hábito: são fruto de minhas profundas reflexões; eu os criei, e posso dizer que sigo minha obra. [...]
Mas imaginar que depois de tanto empenho não vá colher os frutos, que depois de um árduo esforço para me alçar acima das outras mulheres eu consinta em rastejar, como elas, entre a imprudência e a covardia, e que, sobretudo eu possa temer um homem a ponto de ver na fuga minha única salvação? Não, visconde, jamais. Quanto a Preván, quero tê-lo, e terei; ele quer contar, e não contará: aí tem, em duas palavras, nosso romance. Adeus.
De..., neste 20 de setembro de 17**.
Nessa carta (leia em voz alta, sério!), A marquesa de Merteuil explica pro seu caro Visconde o quanto ela deu duro (com duplo sentido, por favor), pra conseguir, ao mesmo tempo, ser uma dama admirada pela sua virtude na sociedade, e pegar todos os conquistadores da corte, em off.
Vocês devem imaginar que, naquela Paris do século dezoito, os aritoscratas não tinham muito o que fazer. A Marquesa de Merteiul e o Visconde de Valmont eram desses, e passavam seu tempo ocioso entretidos com manipulações e conquistas. As relações perigosas é uma compilação de cartas que narram os bastidores de uma sociedade hipócrita e vaidosa. A Marquesa e o Visconde são os principais "conspiradores", que, com mentiras, intrigas e uma boa dose de maledicência  dispõem da vida daqueles que querem conquistar ou de quem querem se vingar.

Intriga, sedução, mentiras e sexo proibido: Já dá pra saber porque esse livro é sucesso até hoje. Pra você, amiga leitora de 50 tons de cinza, eu prometo que esse livro de mais de três séculos, e seu Visconde, conseguem ser muito mais excitantes do que qualquer Grey milionário por aí.

A revolução (ou maldade, como queiram) da marquesa, é conseguir usar a dissimulação a favor dela. Usar da sua inteligência e da sua habilidade com as palavras pra conseguir conquistar quem quisesse, e manter o prestígio de mulher virtuosa na sociedade. Entre o amor que se rende e o poder que domina, ela escolheu dominar. Ficam as lições (literárias apenas, claro) do jogo de sedução: No amor, homem e mulher são oponentes, um querendo dominar o outro. A vitória da mulher está em não se render, ou em se render e não deixar que ele conte pra ninguém! O homem vence sempre, rs. Mas quanto maior era a fama de virtuosa da mulher antes, maiores os louros da vitória dele. A conquista que realmente tem valor é aquela em que o outro se rende espontaneamente - sem que seja usada força no caso do homem, chantagem no caso da mulher. Para a mulher, todas as outras são rivais, e roubar o homem da coleguinha, principalmente se ele dizia estar apaixonado por ela, conta mais pontos.

Apesar de tudo, o livro, moralista, reserva um final trágico a uma das minhas personagens femininas preferidas (sim, ela é vaidosa, arrogante, falsa e má, mas que mulher inteligente! Que talento com as palavras!). Vítima da sua vaidade e dos seus caprichos, a marquesa só errou ao se indispor com a única pessoa que poderia denunciá-la, se não tivesse mais nada a perder: o Visconde. Antes disso, porém, as cartas são uma verdadeira escola pra qualquer mulher que queira aprender a usar a inteligência para ser manipuladora, dominadora e dissimulada (ok, esqueçam, isso não é um conselho! Juro!)

Séculos depois, o desafio pra nós, mulheres, é ainda esse: merecermos o respeito da sociedade por quem realmente somos e não por quem parecemos ser. Não sermos julgadas por nossa conduta sexual, não sermos didividas entre "Sandys" e "devassas", entre "virtuosas" e "desfrutáveis", "direitas" e "perdidas", entre "pra casar" e "pra comer", "difíceis" e "fáceis".

Ainda é o homem que sai ganhando de qualquer jeito no jogo da sedução - porque mesmo quando ganha, a mulher que se vangloria das suas conquistas amorosas ou sexuais (coisa que qualquer homem faz tranquilamente) - é vista como vulgar, biscate, vadia etc.
Às que não querem recorrer à dissimulação (como a Marquesa) fazendo a linha "dama na sociedade, puta na cama" (comunidade do orkut, lembram?) resta a alternativa de mandar essa sociedade tão hipócrita quanto a parisiense do século dezoito à puta que pariu e seguirem suas vidas em paz sabendo que a medida do seu caráter não é proporcional ao seu número de parceiros sexuais.

Fora essa pequena digressão sociológica, que não vem muito ao caso, fica a indicação literária de um livro muito gostoso de ler - que ainda excita a curiosidade de se estar lendo uma suposta correspondência secreta, quase a mesma emoção de ler aquele histórico de msn, facechat ou whats app que encontramos aberto ao acaso.

Indico também o filme Ligações perigosas, que tem uma das melhores cenas de término ever, baseada nessa carta do livro:

(Carta 141)
Tudo acaba por nos cansar, meu anjo, é esa uma lei da natureza, não é culpa minha. Portanto, se eu hoje me cansei de uma aventura que me envolveu por inteiro durante quatro penosos meses, não é culpa minha. Se, por exemplo, tive tanto amor quanto você teve virtude, o que já é dizer muito, não será surpresa que aquele termine ao mesmo tempo que esta. Não é culpa minha. Decorre daí que eu a tenha traído, de uns tempos para cá; mas também, de certa forma, seu carinho impiedoso obrigou-me a isso! Não é culpa minha. Bem vejo que é esta uma bela ocasião para acusar-me de perjúrio, mas se a natureza concedeu aos homens somente a constância, ao passo que deu às mulheres a obstinação, não é culpa minha.Vá por mim, escolha outro amante, assim como eu escolhi outra. É esse um bom, um excelente conselho; se julgar que é mau, não é culpa minha. Adeus, meu anjo, eu a possuí com prazer, e deixo-a sem pesar. Talvez ainda volte para você. Assim gira o mundo. Não é culpa minha. 

Tem coisa mais excitante que maldade com astúcia e inteligência? (na literatura, claro!)
Tem não, gente, tem não! Leiam!

1 comentários:

Ana Clara 7 de janeiro de 2013 às 14:39  

Já deu vontade de ler de novo!
Obrigada pela indicação, Brunete :*

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