A garota da Catedral (nãoexisteamorembsb)

>> sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Minha cara amiga,

Ainda acho boba essa sua relutância em usar o facechat ou whats app pra falar comigo! Nem no skype você quer entrar! Mas ok, aceito trocar esses emails com você, por mais antiquado que seja. Mas só porque não quero de jeito nenhum ficar sem suas notícias de além-mar. E é melhor eu parar de reclamar, antes que você resolva só se comunicar por carta! Você e essa mania vintage...

Como prometi no último email, seguem os detalhes da minha aventura romântica com a menina da Catedral. Mais '"aventura" do que "romântica", como você vai ver.

Sempre gostei de ir caminhando do meu trabalho até a rodoviária, pra evitar o engarrafamento das seis da tarde, pelo prazer de caminhar, pra sentir pelo menos nesses momentos que eu vivo numa cidade de verdade, com pessoas de verdade.

Desde o fim de outubro, quando começou o horário de verão por aqui, tenho saído uma hora mais tarde. Já no primeiro dia dessa nova rotina eu a vi, sentada em frente à Catedral. Não sei porque reparei nela, havia outras tantas pessoas sentadas por ali, ou tirando fotos da igreja, ou caminhando em direção à rodoviária, como eu.... Acho que o que deteve meu olhar foi o all star dela! Isso, era vermelho, igual ao meu, aquele que eu sempre usava na UnB, lembra? O tênis dela me lembrou o meu, e há quanto tempo não o uso, desde que comecei a trabalhar... enfim, por isso reparei nela. Era uma menina de uns vinte e poucos anos, "bonita", pensei na hora (ok, confesso que "bonita" pode não ter sido exatamente a palavra que me veio à mente).

Segui meu caminho. No dia seguinte lá estava ela, sentada no mesmo lugar, dessa vez lendo um livro - que eu não pude identificar qual era, antes que você pergunte. Sei muito bem que você julga o caráter das pessoas pelos livros que elas leem em público.

E assim se seguiram todos os dias. À mesma hora eu passava em frente à Catedral, e ela estava lá, sentada, olhando o trânsito, ou os turistas, ou o céu que emoldurava o templo com diferentes cores e tons. Nunca repetiu aquele All Star vermelho do primeiro dia em que a vi.

Depois do primeiro mês em que a via todos os dias, comecei a pensar em formas de desvendar o mistério da menina da Catedral. Descobrir o que ela fazia lá, todo dia, à mesma hora. Quem ela estaria esperando? O que estaria esperando? Qual era aquele bendito livro que não terminava nunca? 

Era loucura, claro, eu precisava tirar essa ideia fixa da cabeça. Comecei a sair dez, quinze minutos mais cedo do trabalho. Ela estava lá. Depois, passei a sair quinze, vinte minutos mais tarde. Lá estava ela. Cheguei a temer que ela percebesse essa coincidência diária e desconfiasse de que eu fosse algum tipo de psicopata ou stalker (o que de certa forma eu estava me tornando). Mas ela nunca pareceu me reconhecer, nem nas duas ou três vezes que nossos olhares se cruzaram por mais de alguns se segundos.

Semana decidi dar alguma concretude ao nosso relacionamento absurdamente platônico, ao vê-la mais uma vez no lugar já de costume. Concebi o plano da nossa aproximação. No dia seguinte, comprei de um daqueles senhores que vendem flores secas em frente à Catedral um pequeno arranjo: sempre-vivas laranjadas, rodas para-tudo vermelhas, capim dourado e pimentinhas prateadas. Juntei ao ramalhete um envelope azul, contendo um bilhete que dizia:

Aceite essas flores como prova de um encantamento sincero. Há semanas passo em frente à Catedral e vejo você sentada, todos os dias, no mesmo horário. Estranho, mas já me sinto como um velho amigo seu. Mas eu nem sei o seu nome. Me dê a chance de descobri-lo amanhã, nesse mesmo horário. Se achar tudo isso louco demais, fique ao lado do Evangelista Lucas, e eu saberei que você leu este bilhete, mas não quer conversar, e respeitarei sua vontade. Se, entretanto, estiver disposta a fazer um novo amigo, faça companhia ao Evangelista João, e eu me aproximarei.
Vejo você amanhã.



Eu sei, você deve estar rindo, achando que eu pirei de vez, e que se fosse com você, no dia seguinte eu encontraria a polícia me esperando. Pode rir! Mas admita que fui ao menos criativo, ainda que covarde. Pois bem, entreguei a ela o arranjo e o bilhete, e saí sem olhar pra trás. Acho que a curiosidade superou o espanto dela, porque não gritou nem foi atrás de mim.

No dia seguinte, mal consegui trabalhar, pensando em qual seria a resposta da minha bela misteriosa. Foi com mil "borboletas no estômago", como você diz, e o coração acelerado que caminhei em direção à Catedral naquele entardecer.

Nem Lucas, nem João: a minha belle de jour estava de pé - foi a primeira vez que não a vi sentada - ao lado de Mateus. Eu não havia feito um código para Mateus. Não sabia o que Mateus significava.

Ao me ver, ela sorriu, entre surpresa e envergonhada. Só então me dei conta do quão constrangedora era aquela situação. Mais corajosa do que eu, foi ela quem quebrou o silêncio. "Obrigada pelas flores. E pelo bilhete. Não "respondi" como você sugeriu porque eu queria falar com você, mas não estou disposta a fazer um novo amigo. Não é que eu esteja assustada, ou te achando maluco - bom, talvez um pouco. Mas é que ontem seria o último dia em que você me veria aqui. Hoje vim só te encontrar. Amanhã volto pra minha cidade. Sou de Minas."

Mineira! Estava explicado o porquê de ela não ter chamado a polícia pra mim! Mineiras são sempre simpáticas!

A conversa não demorou muito mais que isso, ela tinha que ir embora. Antes que ela fosse, agradeci por ter ido naquele dia, disse que a achava muito bonita, falei meu nome, e, muito importante, perguntei: "Por que Mateus?"
"É o nome do meu namorado", ela respondeu. "Ele vinha me buscar aqui, todos os dias, mais ou menos nesse horário. Falando nisso, ele chegou, preciso ir. Obrigada pelo bilhete, vai ser uma boa lembrança de Brasília. Além das flores!"

E foi embora. Só algum tempo depois percebi que eu, idiota, disse meu nome mas não perguntei o dela, nem ela se lembrou de o dizer. Nem o título do livro. Ficará conhecida apenas como "A garota da Catedral". Que namorava o Mateus!

No fim, a história me saiu como as flores que comprei: bonita, mas sem perfume. Igual a essa cidade que você abandonou.
Volte logo para rirmos juntos dessa minha desventura!

Com afeto e saudade,

João Lucas








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