direitos humanos x direitos dos manos

>> quinta-feira, 24 de janeiro de 2013












Como todas as manhãs, desde que começou o ano, estava eu há dois dias esperando o ônibus na parada perto da minha casa. O ônibus não passou, e eu peguei o que a gente chama de "carona" - e o detran chama de "transporte irregular de passageiros", com uma moça. No caminho, pegamos mais duas passageiras - mãe e filha, que imediatamente começaram a conversar. A motorista estava  dizendo que só parava na parada quando só tinha mulher, que tinha medo de dar carona pra homem que era perigoso etc, etc. As duas outras passageiras continuaram dizendo que sim, era mesmo, que acontecia cada barbaridade, como a gente vê todo dias nos jornais, como, por exemplo, o caso da empresária que foi sequestrada, estuprada, esfaqueada e queimada viva. Até então eu não tinha ouvido falar do caso, (e só depois vi que havia dias que imagem daquela mulher desparecida cirvulava no meu facebook), então elas contaram todos os detalhes, e como a televisão transmitiu a captura dos suspeitos, e como eles falaram do crime sem nenhum remorso aparente.

E daí a conversa foi prum rumo que eu já esperava: de como os bandidos tiveram sorte de estarem vivos, de como a cadeia era boa demais pra eles, porque tinha comida e cama, de como a polícia do df é boazinha, porque de fosse a rotan do goiás tinha matado. E a conversa continuou, porque o pai da motorista era policial, e ela contou da última vez que ele tinha levado um tiro de um cara abordado, e que ele só não matou o atirador porque tinha muita testemunha e podia dar problema, porque matar ele já tinha matado muitos antes etc etc etc.

As três falavam com tanta certeza, concordavam em tudo com tanta paixão, que eu fiquei calada a viagem toda, sentindo um mal estar físico, como se o ódio pairando me causasse náuseas.

***

Mas é claro que esse texto não é sobre minha recém adquirida sensibilidade física ao ódio alheio, ó, tadinha de mim, sofrendo as dores do mundo. Claro que não é isso. Também não preciso explicar o porque do mal estar: se você não entende o porquê de eu não admitir, nem na hipótese do crime mais hediondo, a ideia de punir também com morte o autor do crime, saia daqui e se junte aos comentaristas desta notícia.

O texto é sobre o porquê de eu não ter falado nada. Foi nisso que eu fiquei pensando depois de finalmente sair daquele carro: como nós, pacifistas, humanistas, pessoas que buscam praticar a tolerância e incentivar uma cultura de não-violência podemos competir com um ódio tão enraizado, cultivado, assistido e incentivado por datenas e afins, que tem uma força que atravessa verticalmente todas as classes sociais, do pobre pobre passando pela classe média média, chegando aos ricos de verdade. 

Gente pra quem a violência praticada em forma de arte ou ficção não é catarse (a gente bate no deputado corrupto junto com o capitão nascimento no filme pra não precisar bater de verdade, a gente esfaqueia os caras malvados junto com o Dexter na série pra não precisar esfaquear de verdade), mas só um ensaio pro que eles realmente querem e precisam fazer - e farão assim que tiverem a oportunidade.

O que fazer? Como usar uma arma diferente que não seja usar o mesmo discurso e ENSINAR NA MARRA ESSE POVO TÃO BÁRBARO QUANTO OS BANDIDOS QUE ELES TÊM QUE RESPEITAR OS DIREITOS HUMANOS, CACETE? 

Como responder a esse ódio com uma coisa diferente do ódio e, finalmente, romper esse ciclo? Dalai Lama, me ensina?

***

Domingo, ouço meu crismando de 16 anos, contar, rindo, que passou o natal no hospital e levou um tiro na perna. Levou um tiro porque reagiu, fez que ia entregar a sacola que o assaltante pediu e em vez de entregar saiu correndo pra casa. Ouviu o disparo, e só percebeu que tinha sido atingido na perna quando chegou em casa e viu o sangue. Por que você reagiu? pergunto, dando bronca, Já perdi a conta de quantas vezes me assaltaram e eu não fiz nada. Dessa vez tava do lado de casa. Achei que dava pra correr e corri, ele responde.

Não foi a sacola que ele não quis entregar, foi a dignidade. 

Alguns meses antes, ele poderia ser o menor que atirou. O trabalho que nós fizemos na catequese (sim, a mesma igreja que acolhe os fariseus que comentam coisas assim, dá muitos bons frutos), e, de modo especial, o trabalho que eu tive com ele, fez com que ele hoje não fosse atrás de uma vingança, de identificar o ladrão e buscar um acerto de contas.

***

Mas eu também já passei da fase idealista de querer mudar o mundo. Passei também da fase achar que não posso mudar nada, e ficar sofrendo calada com a minha indignação. A primeira fase é megalomaníaca, a segunda é fruto de um egoísmo disfarçado de realismo. As duas coisas não produzem nada, não mudam nada, mas são ótimas pra encher páginas e páginas de uma teoria - ou de uma rede social - que não muda a vida de ninguém.  

Estou na fase de pensar no que eu posso fazer pra modificar essas duas situações que presenciei nessa semana: a mentalidade de quem acha que defender condições minimamente descentes de vida pros presos é o mesmo que compactuar com a bandidagem (querer que a polícia não mate o estuprador ladrão assassino não é se indignar menos com o estupro, roubo, homicídio, peloamordedeus! é querer que o assassinato, o roubo e o estupro parem SEJA CONTRA QUEM FOR! é odiar o crime, não o criminoso, é odiar o pecado, não o pecador - é a atitude mais básica que se pode esperar de um cristão: compaixão! de um humanista: tolerância!)
E, mais importante e essencial: impedir que esses meninos de dezesseis anos andem por aí com armas matando e morrendo por uma sacola.

Eu tenho que poder fazer alguma coisa. Se não, pra que que serve ter estudado o que eu estudei, ler o que eu li, conhecer o que eu conheço, ter a família e os amigos e o emprego que eu tenho?  Vou me afogar nessa riqueza de pensamentos e experiências e viver de mim, pra mim, por mim? Não. Isso tem que transbordar de algum jeito, frutificar, chocar, questionar, dialogar, transformar e ser transformado.












Isso não é um desabafo: é um pedido de ajuda. 

4 comentários:

Clara 24 de janeiro de 2013 às 17:19  

recomendo: http://d3j5vwomefv46c.cloudfront.net/photos/large/335423025.gif?key=591188&Expires=1359056170&Key-Pair-Id=APKAIYVGSUJFNRFZBBTA&Signature=DlD~n1poQnTwgozX2rB8eWGHeMYBQxz4FWALQv87lkfXd~2czoeutqEwy2wOwNI5Dgj-GHh~M4jC3i3K67kR6BFVlQ--EmMQ8lr~xPk3OS8G3R-xaK3yDWYlauOwZTc2QAW1jD90wjrb5c0Xp-HstHvQNidwsMZFT1RvSRCoa7k_

Clara 24 de janeiro de 2013 às 17:20  

brinks.
sei lidar com gente não.

Jairfran 24 de janeiro de 2013 às 18:33  

Podia ter começado topando o debate no lotação...

Mariana Santana 25 de janeiro de 2013 às 20:45  

Não sei o que comentar... Leio o seu blog, adoro seus textos, mas acho que nunca comentei. Agora eu precisava. "Isso não é um desabafo: é um pedido de ajuda." Exatamente :)

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