Uma geração sem jovens

>> domingo, 20 de janeiro de 2013

Compartilho com vocês uma reflexão de um domingo à noite.
Leiam desarmados e se ponham a pensar e a sofrer nossa geração comigo.

Minha geração será conhecida no futuro com a geração sem jovens. 

É noite de domingo e eu me detenho a ler com atenção o edital do último concurso público lançado. Cogito fazer um cursinho preparatório. Mais de dois mil reais. Descarto a possibilidade. Navego aleatoriamente por sites e blogues de "concurseiros". O que leio deveria me deixar intimidada, mas me deixa... triste. Coisas como "níveis" de concurseiros: básico, intermediário, avançado. Concurseiro é carreira. Manual do concurseiro, guia do concurseiro, mandamentos do concurseiro. Quase um novo credo a ser professado.

Tenho muitos amigos concurseiros - ou melhor, tinha, pois concurseiros sérios, avançados, comprometidos, os únicos que têm alguma chance de passar (ou se alcançar o céu dessa religião), é claro, abrem mão da sua vida social. Quando eles finalmente passarem num concurso (não em "um", mas no ideal) e retomarem suas vidas normais, terão perdido alguns anos de suas vidas se lobotomizando em cadeiras de cursinhos. Em compensação, serão estáveis nos seus trabalhos em três anos - poderão, antes dos trinta, sentar nas cadeiras giratórias de suas repartições e esperar o casamento, os filhos, as viagens de férias, a aposentadoria e a morte (na melhor das hipóteses nessa ordem).

É triste. Sua opinião sobre esse texto talvez mude ao descobrir que essa que vos fala é uma concursada. Para mim, o concurso foi uma forma de mobilidade social - hoje tenho o padrão de vida e o nível de independência que a maioria dos meus colegas já tinha ainda na Universidade, sem trabalhar. 
E foi também um golpe de sorte, destino, senso de oportunidade: estudei sozinha, por dois meses, com uma apostila.

Mas voltaremos à minha história pessoal daqui a pouco.

Os meus amigos que assumiram a "carreira" de concurseiros são, em sua maioria, de classe média. De outra forma não teriam como pagar as exorbitantes mensalidades dos cursos preparatórios. Isso me faz pensar que os seus pais, a geração anterior, ralou bastante pra chegar nessa classe média. Muitas vezes já com família. O esforço deles foi motivado pela preocupação com o bem estar futuro de uma família - de filhos - que já existia.

Criaram esses filhos com tudo do bom e do melhor, com muito leite com pêra, para que eles pudessem estudar sem precisar trabalhar, estudar nas melhores escolas, cursar o melhor curso na melhor faculdade. E esses filhos fizeram isso. Tinham tudo pra ter sonhos. Tinham segurança e comodidade na família para se arriscar por eles: serem bons e realizados atores, professores, advogados, arquitetos, médicos, engenheiros.

Era uma geração que tinha tudo pra ser feliz. Realizada. Era só isso, filho: tenha um sonho, siga sua vocação, trabalhe com o que você realmente gosta, porque nós, seus pais, te daremos o apoio que você precisa pra começar. Você não precisa se preocupar em ganhar muito dinheiro, nós fizemos isso por você. 

Mas não. Filhos de famílias com dinheiro geralmente têm uma única preocupação: fazer tanto ou mais dinheiro para se manter no mesmo padrão de conforto, mordomia e status em que cresceu, não importando que para isso tenha que fazer um trabalho que odeia pro resto da vida.

Não faz sentido! Pra que aqueles pais ralaram pra dar do bom e do melhor pros filhos, então? Pra que quando ele chegasse aos vinte anos dizer: opa, filhão, viu como é bom ser rico? experimentou o bem-bom? ótimo, agora vá tornar a sua vida miserável, como nós tornamos a nossa, pra continuar assim!

Aí vai o ex-futuro-jovem, com vinte e poucos anos, se matar de estudar pra passar num concurso público - que é o que tem nessa cidade - pra manter o alto padrão de vida que os pais deram pra ele, pra dar um padrão de vida ainda maior pros filhos que ele ainda não tem. Vai lá o rapaz ou a moça com a ilusão de que, finalmente, quando ele passar no concurso dos sonhos, ele vai ter tempo e dinheiro pra fazer o que quiser da vida. Não vai, filho. Dinheiro, talvez. Tempo, não. Serão 30 dias de férias em um ano inteiro. 8 ou 6 horas por dia fazendo um trabalho que você não gosta, muitas vezes detesta. Nenhum respeito à sua vocação, ao chamado místico do mundo para que você exerça o que você faz de melhor. Talvez você nunca saiba qual é esse chamado místico - provavelmente você simplesmente não vai acreditar que ele exista.

Uma geração inteira de jovens que não foram jovens. Foram concurseiros. E depois jovens velhos, que com com 22 terão 40. Ou jovens adolescentes, que vão curtir o que deviam ter curtido aos 22 com trinta.

Eu não entendo. Voltando ao meu caso, acredito, sim, no concurso público como forma de mobilidade social, como forma de me livrar de um balcão de loja, de um caixa de fast food. Acredito nele como um meio de lançar bases que meus pais não puderam ou não quiseram lançar: mas bases de onde eu possa um dia me jogar em busca dos meus sonhos. E, por favor, que eu ainda seja jovem quando puder - ou tiver a coragem de me jogar!

Não como um objetivo de vida, uma carreira a ser perseguida, um fim em nome do qual eu sacrifique os anos da minha juventude. 

A não ser que minha vocação fosse a da burocracia. Burocratas natos se darão muito bem no serviço público!

Quanto mais eu penso, mais tenho certeza de que salário nenhum paga esse meu sacrifício de energia que eu tenho no meu trabalho, muito menos o que eu ganho. Salário nenhum paga essas trocentas crises de meia idade e frustração que eu já tive dos dezenove aos vinte e dois anos. Estabilidade nenhuma paga o desespero de ver pela minha frente mais trinta anos de insatisfação e burocracia (cruzes, só de pensar me dá arrepios!). Função gratificada ou DAS nenhum pagam o esforço que é dividir minha vida em "eu no trabalho" e "eu fazendo o que eu mais gosto de fazer na vida = literatura". 

E o que me impede de jogar tudo isso pro alto agora é o fato de já ter vendido os próximos anos de salário desse emprego pro banco, adiantados. Vendi por um conforto que eu não preciso - pelo menos não precisava até ter. Daí que o único jeito de comprar minha liberdade de volta é ganhando mais dinheiro num emprego que pague mais. Daí voltamos pro que motivou o começo desse texto: vou ter que fazer e passar no tal do último concurso lançado.

Entendam que esse texto não quer apontar o dedo pra ninguém. É uma reflexão, um questionamento. E a primeira a lê-lo com identificação e tristeza sou eu, que ainda não sei ao certo se é melhor ou pior ter consciência da prisão em que meus sonhos estão encerrados.

1 comentários:

Anônimo,  21 de janeiro de 2013 às 00:53  

Meu bem!

Eu não sabia que você escrevia um blog!
Andei lendo os seus posts e gostei muito do que você escreve!
Também me deixa triste pensar na epidemia dos concursos. Eu mesma ando sonhando com o Rio Branco que é outro pro qual se precisa dedicar muito tempo, dinheiro e sofrimento pra passar. Pelo menos é algo que tenho certeza que eu seria feliz e gloriosa fazendo. (espero)

O seu blog é fantástico e foi uma feliz descoberta, parabéns!

Marina - uma colega sua de uma matéria com a Sara

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