Poética do Sertanejo Universitário #2

>> terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Você, amiga solteira em Brasília, essa cidade fria e sem amor onde todo mundo é metido (e eu espero que você não seja!), não sabe mais onde ir pra paquerar e dar uma levantada na autoestima? Pois a balada sertaneja é a melhor pedida! Dispa-se dos seus preconceitos musicais e jogue-se num dos oasis de sociabilidade dessa cidade, onde você ainda poderá conhecer alguém que não seja necessariamente amigo de um amigo.

Caso você nunca tenha sido exposta a esse tipo de interação social, não se preocupe! O sertanejo universitário (que traz na aba o arrocha) é o estilo mais autorreferenciado da atualidade. 
- Como assim, Bial Bruna Silfer?

No primeiro post que eu escrevi sobre a poética desse estilo, o tema que mais aparecia nas letras era o da revanche sentimental: bom moço/boa moça é sacaneado/leva pé na bunda do namorado e, em vez de curtir a fossa na mesa do boteco, se joga na balada, pega todas e grita EU NÃO PRECISO DE VOCÊÊÊÊÊÊ!

Agora é diferente! (pra vocês verem com os gêneros se transformam rapidamente nos anos 10). O tema mais presente nas letras da balada de sertanejo é ~pasmem~ a balada de sertanejo! Se antes o bom moço/boa moça precisava levar o pé pra acordar pra vida e pegar sem se apegar, agora não: a galera já se joga na balada como se não houvesse amanhã. Então, toda a experiência de vida dessa galera é a balada! Não tem amor não-correspondido pra tentar esquecer, não tem traição pra vingar: a profundidade da vivência amorosa de quem canta e escuta a música acaba naquele carinha que não pegou seu telefone.

Então, cara amiga que está chegando agora nesse mundo, não se preocupe em aprender com antecedência os padrões comportamentais desse nicho social. A dica é simples: presta atenção em cinco letras aleatórias que tocarem na balada e você já vai saber como tudo funciona. Duvida? Vamos aos exemplos textuais que comprovam nossa hipótese:
Na sexta-feira (em todas elas) começa o bolo doido. Depois, sábado, na balada, a galera começa a dançar. Se você for a menina mais linda, esteja preparada para ouvir a cantada infalível: nossa, nossa, assim você me mata! Ai, se eu te pego! , sussurrada pelo cara popular que chega na balada, e todos param pra ver.
Dúvidas sobre como flertar? A música ensina também! É só você olhar pra ele querer te pegar!
Prestando atenção nas letras você também vai saber que nesse mundo vale mais quem anda de carrão - mas tem espaço pros quebrados que sabem fazer o lê lê lê!

É claro que no começo a gente se sente assim, confusa com aquele tanto de homem vestindo a mesma camiseta da hollister, mudando só a cor ou as listras (até quando?), fica puta com os caras de fim de balada puxando nosso cabelo, fica indignada de ser chamada de interesseira mesmo em cada letra que tem carro e "bebida de graça". E eu gostaria de te afirmar, amiga leitora, que essa sensação passa, que com o tempo você acostuma - mas eu não posso: nunca me acostumei.

É claro também que eu não tou incentivando ninguém a tomar pra si esse conjunto de valores do moleque playboy que liga pra mamãe da balada, e que acha que é só chegar batendo de carrão e oferecendo bebida pra pegar mulher - mas também não vou te julgar se você fizer isso, colega. Tá, vou sim.

                                          "Tenso" é fazer tudo isso com o dinheiro do seu pai.

Essa nova poética das letras é reflexo dessa adolescência eterna de minas e caras que medem a vida pela agitação do fim de semana - e pelo quanto eles ficam bêbados e por quantas pessoas eles pegam. Daí que o problema (se existe um problema), é claro, não é a música, que é toda autorreferenciada, ou seja, faz referência sempre a si mesma, ao estilo de vida de quem a faz e de quem a consome, mas, sim, essa geração que toma esses valores como absolutos.

Se a música vende e faz sucesso (e muito sucesso!) é porque tem mesmo gente que pensa que mulher se compra, e tem mulher que se vende, que pai e mãe tem que bancar farra de filho mesmo, e tem pai que banca, que ter um carro, ser bom de cama e poder bancar bebida são as qualidades do homem que toda mulher procura, e tem mulher que procura esse cara mesmo. E é isso que mais me preocupa: não o ritmo que é dançado, não o pegar sem se apegar, não os vestidos apertados e curtos, não as letras esvaziadas de qualquer valor artístico. Mas essa ideologia-mãe de tudo isso: machista (ainda mais do que o funk carioca, por exemplo, onde, pelo menos, a mulher também canta e não é uma bunda embalada a vácuo balançando um cabelo loiro de chapinha) e insuportavelmente esnobe (tem dinheiro? ok! não tem? vaza! ah, seu pai morreu, mas pelo menos você ficou rico e comprou um camaro? ok de novo!), fruto de uma geração jovem  ociosa de classe média que de sertaneja não tem nada, e de universitária, tem só a matrícula em uma faculdade de seriedade duvidosa.

Pensando bem... Você, amiga solteira que mora em Brasília, essa cidade fria e sem amor onde todo mundo é metido (e eu espero que você não seja!), e que não sabe mais onde ir pra paquerar e dar uma levantada na autoestima: supondo que você seja inteligente, esqueça o conselho que eu dei ali em cima... Ou, se decidir se aventurar mesmo na balada sertaneja (afinal, é a juventude, né, podemos fazer esse tipo de besteira) - acione o botão no seu cérebro que bloqueia seu senso crítico responsável por identificar e condenar padrões de comportamento preconceituosos e machistas, e seja feliz.

O meu quebrou da última vez que eu fui no Garota Carioca.

3 comentários:

Michele Pandini 15 de janeiro de 2013 às 18:54  

Esse post foi feito pra mim!? E o que aconteceu no Garota Carioca? XD

Clara 16 de janeiro de 2013 às 14:19  

o que aconteceu no Garota Carioca ----> o que acontece todos os dias naquele inferno de lugar, oras (tudo sobre o que as músicas sertanejas estão falando)

Clara 16 de janeiro de 2013 às 14:25  

um momento, por favor, eu PRECISO destacar minhas partes preferidas desse texto:

- onde todo mundo é metido (e eu espero que você não seja!)--> sorry

- onde você ainda poderá conhecer alguém que não seja necessariamente amigo de um amigo --> pfv, que ninguém conhecido te veja num lugar desses!

- anos 10

- a profundidade da vivência amorosa de quem canta e escuta a música acaba naquele carinha que não pegou seu telefone.

- aquele tanto de homem vestindo a mesma camiseta da hollister, mudando só a cor ou as listras --> + camiseta com cavalos e números

- O meu quebrou da última vez que eu fui no Garota Carioca. --> inferno na terra

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