Fantasmas de domingo

>> quinta-feira, 18 de julho de 2013

É domingo à noite, e todos que se recusam a ver o cortejo fúnebre do fim de semana na televisão estão no bar. Alguns comemoram a vitória, apertada, é verdade, do seu time sobre o grande rival desde a seis da tarde; outros recém chegaram e suas vozes só agora começam a ser alteadas pelo álcool dos copos de cerveja virados.

Ela entra no bar e sem hesitar procura o canto mais vazio para se sentar. Ela não está à espera de ninguém. Ao menos de ninguém que virá, e clara está a enorme diferença entre uma espera e a outra.
Ela adivinha de onde vêm as vozes que rumorejam ao seu redor: grupos de jovens universitários, casais entediados que se ignoram mutuamente
pelo celular, um trio de homens de meia idade que falam de obscenidades e negócios, se é que há diferença, e um velho de cabelo grisalho e barba branca, que bebe vinho e não cerveja, que tem nas mãos um livro e não um celular.

"Esse serei eu daqui a trinta anos. Ou menos. Ou agora. O chopp me salvou da identificação completa".

Se não estivessem tão absortos em suas próprias conversas, poderiam se perguntar aqueles assíduos frequentadores o que faz ela aqui sozinha, a essa hora de domingo? Para onde aponta esse olhar vago e perdido? Que pensamentos envolvem esses cabelos cacheados? O que desejam essas mãos que ansiosamente acenam para o garçom?

Mas eles não se perguntaram, não se importam. E se perguntassem, não ouviriam resposta alguma: ela não as têm, as respostas. O que ela tem, e em grande número, são dúvidas.
E agora? Na última semana ela foi visitada por dez anos de passado. Não faltaria quem risse ao ouvi-la falando "tenho dez anos de passado". Dez anos de passado encarnado em três homens, como os fantasmas de Dickens - qual a lição de moral do final deste conto? Ela não sabe. O que sabe é que o passado se recusa a ser um refúigio seguro. O futuro se aproxima a cada dia, e, apesar da sua manifesta e aparente ansiedade, o que ela tem é medo.
O passado a distrai da sua verdadeira aflição: o tempo-será. Foram precisos três fantasmas para que ela entendesse isso, se é que entendeu. três fantasmas, uma semana, meio litro de chopp e um velho tomando vinho no bar domingo à noite.

Mas ela entendeu. Vai pedir a conta, voltar pra casa e, antes de dormir e receber mais uma segunda-feira, um pensamento percorrerá sua mente como um feixe de luz: medo... não... mais...

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