Dia da Poesia =D

>> quarta-feira, 14 de março de 2012

Nunca fui dessas de ver poesia na folha que cai, na estrela que brilha, na lua que b...oring.
Nunca soube ao certo o que dizer pros coleguinhas que vinham com seus poemas pra eu ler e dar minha opinião. "Tá bom...", eu dizia, meio sem graça... Sem graça porque na verdade eu queria dizer: "Vira homem, rapaz, vai pegar umas mina e sai dessa dor de cotovelo!" ou "Menina, deixa de ser boba... sua alma não tem nada dessa profundidade sombria e solidão eterna que você acha que canta nesse poema! Você tem quinze anos e levou um é na bunda! Você sobrevive!"

Mas enfim, os jovens poetas da minha escola estavam a apenas uma geração dos emos, não vamos julgar. O fato é que eu nunca gostei de poesia amadora, mas também nunca soube julgar o que seria uma boa poesia assim, de primeira. Não me meti a fazer versos porque achei, e acho ainda, que todas as boas poesias já foram escritas - tá tudo pronto! sei que não posso fazer nada melhor, em verso! pra que escrever? (sou estranha por pensar assim?)

Mas, a despeito de tudo isso, tem uma forma de poema que sempre me dobra e sempre me fascinou: o soneto.

Ah, o soneto! Símbolo da prisão da alma poética para os modernistas! Certinho, regrado, definido, analisável! LINDO! 
Não é fascinante o modo como sentimentos tão amplos, profundos e humanos cabem nessa fórmula quase matemática? quatro estrofes: duas quadras e dois tercetos, um fecho de ouro e, voi'lá! Tá pronto! Não sou tããão parnasiana a ponto de achar que o soneto se basta sem nenhum sentimento... mas não gosto desse amor esparramado e desesperado que flui muito além dos versos decassílabos. 

Que os moderninhos dos versos livres e brancos se mordam, mas continuo achando que um bom poeta consegue dizer tudo o que quer dizer em um simples e honestíssimo soneto.

Pra provar meu ponto, copio aqui alguns dos mais famosos e dos meus preferidos - escolha uns dois pra ler a aproveite :)

Soneto da Separação - Vinícius

De repente do riso fez-se o pranto 
Silencioso e branco como a bruma 
E das bocas unidas fez-se a espuma 
E das mãos espalmadas fez-se o espanto. 

De repente da calma fez-se o vento 
Que dos olhos desfez a última chama 
E da paixão fez-se o pressentimento 
E do momento imóvel fez-se o drama. 

De repente, não mais que de repente 
Fez-se de triste o que se fez amante 
E de sozinho o que se fez contente. 

Fez-se do amigo próximo o distante 
Fez-se da vida uma aventura errante 
De repente, não mais que de repente.

Soneto XVIII, Shakespeare

Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno

Às vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes obscurece com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na eterna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás exausta ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos ardentes te farão viver

Cantem outros a clara cor virente - 
Alphonsus de Guimarães


Cantem outros a clara cor virente 
Do bosque em flor e a luz do dia eterno... 
Envoltos nos clarões fulvos do oriente, 
Cantem a primavera: eu canto o inverno.

Para muitos o imoto céu clemente 
É um manto de carinho suave e terno: 
Cantam a vida, e nenhum deles sente 
Que decantando vai o próprio inferno.

Cantem esta mansão, onde entre prantos 
Cada um espera o sepulcral punhado 
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos...

Cada um de nós é a bússola sem norte. 
Sempre o presente pior do que o passado. 
Cantem outros a vida: eu canto a morte...

Dualismo - Olavo Bilac

Não és bom, nem és mau: és triste e humano... 
Vives ansiando, entre maldições e preces, 
Como se a arder no coração tivesses 
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal padeces; 
E rolando mum vórtice insano, 
Oscilas entre a crença e o desengano, 
Entre esperanças e desinteresses. 

Capaz de horrores e de ações sublimes, 
Não ficas com as virtudes satisfeito, 
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes: 

E no perpétuo ideal que te devora, 
Residem juntamente no teu peito 
Um demônio que ruge e um deus que chora.

Hino à Razão - Antero de Quental

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

Vaidade - Florbela Espanca

Sonho que sou a Poetisa eleita, 
Aquela que diz tudo e tudo sabe, 
Que tem a inspiração pura e perfeita, 
Que reúne num verso a imensidade! 

Sonho que um verso meu tem claridade 
Para encher todo o mundo! E que deleita 
Mesmo aqueles que morrem de saudade! 
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! 

Sonho que sou Alguém cá neste mundo... 
Aquela de saber vasto e profundo, 
Aos pés de quem a Terra anda curvada! 

E quando mais no céu eu vou sonhando, 
E quando mais no alto ando voando, 
Acordo do meu sonho...E não sou nada!... 

Camões
Transforma se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sòmente pode descansar,
pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assi co a alma minha se conforma,

está no pensamento como ideia:
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.

A CAROLINA - Machado de Assis

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Oficina irritada - Carlos Drummond de Andrade

Eu quero compor um soneto duro 
como poeta algum ousara escrever. 
Eu quero pintar um soneto escuro, 
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro, 
não desperte em ninguém nenhum prazer. 
E que, no seu maligno ar imaturo, 
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro 
há de pungir, há de fazer sofrer, 
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro, 
cão mijando no caos, enquanto Arcturo, 
claro enigma, se deixa surpreender.

Soneto Sonhado - Manuel Bandeira

Meu tudo, minha amada e minha amiga,
Eis, compendiada toda num soneto,
A minha profissão de fé e afeto,
Que à confissão, posto aos teus pés, me obriga.

O que nalma guardei de muito antiga
Experiência foi pena e ansiar inquieto.
Gosto pouco do amor ideal objeto
Só, e do amor só carnal não gosto miga.

O que há melhor no amor é a iluminância.
Mas, ai de nós! não vem de nós. Viria
De onde? Dos céus?... Dos longes da distância?...

Não te prometo os estos, a alegria,
A assunção... Mas em toda circunstância
Ser-te-ei sincero como a luz do dia.

Soneto 247 - Petrarca

Talvez suponham que em louvar aquela 
que adoro, eu exagere-lhe o perfil, 
dizendo-a entre as demais, alta e gentil,
santa, sábia, graciosa, honesta e bela. 

Mas eu sinto o contrário; e temo que ela
despreze o meu louvor por ser tão vil, 
digna de algo mais alto e mais sutil, 
e quem não o acredite venha vê-la. 

Então dirá: Aquilo a que este aspira 
é de estancar Atenas, como Arpino,
Mantua e Smirna e uma e outra lira. 

Língua mortal estado tão divino 
não pudera cantar. Se amor me inspira
não é por eleição, mas por destino. 


Soneto XVII - Neruda

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras, 
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.


Se eu Fosse um Padre - Quintana

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
... a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus!



Soneto do Amor Maior (sim, Vinícius de novo!)

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu,que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre,fica triste
E se a vê descontente,dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração,e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu,que quando toca,fere
E quando fere vibra,mas prefere
Ferir a fenecer -e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado,doido,delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.




E viva o dia da poesia! 

1 comentários:

Naclara.,  14 de março de 2012 às 16:21  

também sou dessas. Nem gosto de falar que fiz letras, pq, né? "aaahh, vc gosta de poesia? eu escrevo, lê e me diz o que vc acha?"
pfff.
gente, me deixa com meus poetas!

(mas sonetos nem são meus preferidos. Mas como me marcaram na patricinha da literatura pós-moderna naquele trem lá das Literatas, vou ficar quieta. Sonetos têm seus méritos, vai.)

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