"Felicidade não acompanha este produto"

>> quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Sabe aquelas propagandas da Barbie e do Max Steel (matel!) que recheiam a programação matutina de todos os canais de tv aberta? Se você reparar bem (você adulto, criança não repara, claro!), no final ou durante o comercial o locutor fala rapidinho (ou aparece em letrinhas miúdas) coisas como "movimentos feitos em computador", "pilhas a baterias não acompanham o produto", "acessórios vendidos separadamente" enfim, algum tipo de aviso que alerta a criança que depois que ela tirar a sua barbie butterfly recém-comprada da caixa, ela não vai sair voando encantada - como faz no comercial.



Acho que passou da hora do Conar baixar uma regrinha parecida pra comerciais para adultos também. Já posso imaginar os avisos: em comerciais de supermercados "felicidade não acompanha as carnes do nosso açougue", nos de sabão em pó "babá pra olhar seu filho enquanto ele se suja não está inclusa no produto", nos de desodorante "não nos responsabilizamos por eventuais mulheres de bom senso que não se joguem em cima de você por causa desse deste produto, nem por mulheres feias que o façam", nas de roupas "os amigos são vendidos separadamente".
Seria um jeito muito mais honesto de vender coisas. As crianças estão mais protegidas dos efeitos nocivos da propaganda do que nós!

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Entrei nesse mundo de consumo quando eu virei adolescente. Antes disso, a criação dos meus pais era: ter um item de cada coisa, e comprar outro quando o primeiro ficar muito (muito!) gasto ou estragar. Então eu e meus irmãos tínhamos, por exemplo, um chinelo de dedo, um tênis pra educação física e um sapatinho mais arrumadinho pra sair (e isso nos anos 90, minha gente! quando todo mundo já tinha todos os modelos possíveis da sandália do seninha!) E assim era com todo o resto. A gente só ganhava um novo quando o velho estragava - e olhe lá, se não desse pra dar uma remendada, rs. E era assim não porque não houvesse dinheiro (ok, também era isso, já que se meus pais comprassem um tênis novo pra um dos filhos, por exemplo, os outros dois tinham que ganhar também), mas por que meu pai separava - e ainda separa até hoje - as coisas entre necessárias e supérfluas. Coisas necessárias, ok, ele comprava. Coisas supérfluas (e pra ele quase tudo era supérfluo), a gente compraria com o nosso próprio dinheiro, ou seja, dali a uns dez anos.

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Quando finalmente entrei no mundo do consumo (quando as contas passaram pra mão da minha mãe, aeaeae), acreditava que cada coisa nova que eu comprava teria o poder de mudar a minha vida e todas as minhas relações sociais (inexistentes). Uma blusa preta seria meu passaporte para o grupo dos rockeirinhos. Uma melissinha da wanessa camargo com cheirinho de fruta me daria livre entrada no mundo das patricinhas. Uma saia da sabrina me permitira conversar com as periguetes tranquilamente.
Escolha qual dos estilos da Renner você quer comprar
E foi bem isso que aconteceu - só que não, rs. Demorei a entender que, seguindo esse pensamento consumista, eu deveria comprar todo um estilo de vida. Guarda-roupa completo, com seus devidos acessórios. Queria ser hiponga? Ok, não basta comprar um vestido da torre desbotado com Qboa - mas vários! E blusinhas, e saias, e milhares de acessórios com todas as sementes encontráveis no cerrado. Porque tudo tinha que combinar. Tudo tinha que conversar. Porque a sua roupa tinha que indicar, de cara, em qual quadradinho social você estava.
Já no ensino médio e no começo da faculdade, eu juro que eu queria ser nerd. Ser identificada como nerd ou hipster. Mas, céus, vocês sabem quanto custa uma camisa xadrez da Timbaland?  Uma armação de óculos da Rayban? (devo admitir ao menos a vantagem desse estilo, que é poder ter só uma coisa de cada, afinal, por mais que você tenha várias, no fim aquelas blusas quadriculadas parecem sempre a mesma, sorry)
Pior, você sabe quanto custa uma camiseta do Che? (sim, porque no mundo capitalista tudo virou produto, inclusive - e por que seria diferente?- a ideologia socialista)



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Acho que foi nessa dificuldade/impossibilidade de escolher um estilo de vida pra comprar - e comprar junto os amigos e a cultura que vinham com esse estilo, que surgiu o personagem Laranjinha. Pronto, minhas coisas se ligavam por uma cor, não pelo estilo cultural. Daí eu podia ser hiponga de vez em quando, patricete de vez em quando, piriguete de vez em quando, que no fim das contas e pra todos os efeitos eu era só "a menina que vestia laranja".

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Depois que eu comecei a trabalhar, a princípio como secretária, me senti socialmente constrangida, e tive que comprar outras roupas, que deveriam ter vindo com avisos como "postura de mulher adulta não acompanha esse terninho". Assim que deixei de ser secretária  me tornei uma pessoa mais feliz, pelo menos no vestuário. Hoje vou trabalhar de all star (atitude jovem não acompanha), calça jeans, camiseta e mochila (detesto bolsas!), não porque eu seja rebelde (uhul!), mas porque é o tipo de roupa que me deixa confortável pra trabalhar por 8 horas e, mais importante que tudo, são as roupas que eu já tenho. Não tenho dinheiro, ou não é uma das minhas prioridades financeiras agora, comprar um novo estilo de vida que se traduza no que eu visto.

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Assim como pra ser expert em literatura não basta você comprar uma biblioteca fantástica (é, tem que ler os livros, colega, instrução não acompanha), usar um determinado desodorante não basta pra você ser sexy, usar o look da moda não basta pra você ser descolado, comprar um sabão em pó certo não basta pros seus filhos serem crianças loirinhas e saudáveis, usar um smartphone não te dá amigos nem uma vida interessante pra compartilhar com eles.

O mais preocupante é que, diferente do argumento dos publicitários, nem todos os adultos têm o discernimento de entender isso sem as letras miudinhas ao fim do comercial. São apenas crianças crescidas que ficam frustradas ao perceberem que suas vidas não foram modificadas em nada pelos produtos que compraram. Ao perceberem que pra brincadeira com o Max Steel ser tão legal quanto na propaganda, elas precisam não de todos os bonecos com todos os acessórios, mas de amiguinhos pra brincar junto. Que pra família ser tão feliz e harmoniosa  quanto no comercial do apartamento, elas precisam ser pessoas melhores e mais atenciosas, e não morar no Alpha Ville 3 com piscina e garagem coberta - felicidade também não acompanha esse empreendimento imobiliário.

2 comentários:

Clara 21 de fevereiro de 2013 às 11:37  

propaganda de absorvente: melhor não arriscar com roupas tão claras nem tantos movimentos, rs

Clara 21 de fevereiro de 2013 às 11:44  

ainda sobre propaganda de absorvente:
*felicidade não acompanha este produto
**disposição para atividades físicas (ou qualquer outra atividade) não acompanha este produto
***namorado bonitão que consiga te carregar nas costas (literalmente) não acompanha este produto

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