Revolução

>> sábado, 20 de abril de 2013

Acho engraçado esses defensores incondicionais da gramática normativa da língua portuguesa. Eles tratam a língua como se ela fosse a Verdade absoluta, um núcleo brilhante de pureza ao qual o homem comum nunca terá acesso, do qual ele só pode enxergar uma sombra difusa entre maneirismos, anglicismos e topicalizações.

Ignoram eles que essa língua, de pura, não tem nada: se corrompeu foi cedo! Enquanto mantinha a pose sisuda ao lado dos mais poderosos, confraternizava alegremente com quem a quisesse usar. 

Sonho com o dia do primeiro pronunciamento do Ministro de Educação e Cultura da Revolução que deporá magnatas das petroleiras, latifundiários, toda a espécie de gente que lucra com a exploração do poder do medo e da alienação social, e de seus respectivos porta-vozes políticos.

"Aí, perdeu, playbozada, quem manda agora é nóis! No novo regime, tá abolida a segunda pessoa do plural., e "tu" sempre vai conjugar na forma do que antes era a terceira pessoa do singular. Ficam declaradas como marginais essas tais MPB e Bossa Nova, e o RAP é o nosso novo estilo musical pra exportação. Neguim que for pego usando mesóclise e ênclise vai ser hostilizado socialmente: tá mais que permitido corrigir o coleguinha que usar um "amo-te" despudoradamente!
Aba reta e calça larga é o último grito da moda
entre a nova elite paulistana.
A partir de agora, tanto faz escrever com certeza ou concerteza (mas lembrando ainda que o m vem só antes de P e B, isso aqui não é anarquia!). O mesmo vale pra em cima ou encima."

Novos dicionários e novas gramáticas seriam imediatamente impressos, os primeiros contendo os (agora) reais significados de "cana", "bagulho", "fita" e "rolo" e acrescentando neologismos como "mocó" e "treta".

As escolas abririam turmas especiais (afinal, o regime saberia que toda fase de adaptação é complicada) pras senhoras que apresentassem uma extrema dificuldade em falar "pra" em vez de "para", "tisoura" em vez de "tesoura" e em construir sentenças (agora) gramaticalmente corretas como "Os filhos eles dão muito trabalho" ou "É um absurdo nós ter que lavar os própio vaso".


E, enquanto se esforçassem pra se adequar ao novo sistema, ainda que contassem com uma grande desvantagem em relação à grande parte da população que já saberia essas regrinhas de cor, os caras (porque não se usa "senhor" no novo regime!) que achavam antes que a língua era uma dama distinta e fiel, talvez conseguissem entender que, afinal, ela fecha com quem tem mais poder.

Postar um comentário

  © Blogger template Simple n' Sweet by Ourblogtemplates.com 2009

Back to TOP