100 metros rasos

>> quarta-feira, 17 de abril de 2013

O homem mais rápido do mundo não consegue vencer na maratona.

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"Você é muito precoce", é a frase que ela mais escuta de quem acaba de conhecê-la. "Já formada, já mestre, já concursada, já viajada? Você é muito precoce!"

Esse "precoce" vem com uma pontinha de recalque, mas com uma conotação positiva. Há um "parabéns" implícito nessa exclamação. 

Por muito tempo ela acreditou que merecia esse parabéns implícito, que ser precoce era uma coisa boa.

Ser rápido - impulsivo, decidido, corajoso - é bom quando as transformações também são assim, rápidas. Mas - a vida adulta faz questão de lembrar-lhe todos os dias - viver essa vida comum do cidadão médio é uma prova de resistência. Resistência à mediocridade alheia - e à própria -, resistência às mais diversas expectativas frustradas, resistência a situações e pessoas desinteressantes e desinteressadas. E resistência a tudo isso sem a garantia de ser o primeiro a chegar (aonde?) no final, sem a garantia, ao menos, de que se chegará a esse final.

Acho que essa capacidade de resistir vem quando se demora mais - o tempo certo, talvez? - pra se vencer cada etapa da vida. Ser precoce implica uma falta de inteligência emocional que agora me faz falta. Sinto vergonha de admitir que, hoje, bem mais velha, ainda sofro com as palavras "obrigação", "autoridade" e "disciplina" (e com tudo que elas representam) do mesmo jeito que sofria aos 15 anos.

(e aqui "ela" e "eu" nos misturamos: a Bruna que narra, que é discurso e memória, e a Bruna que vive, é ação e sensação - somos duas que se observam e passam longas horas discutindo que rumos tomar a partir de agora. A Bruna que age não vinga no mundo adulto onde as coisas só existem "a longo prazo", a Bruna que pensa não realiza seus planos tão bem arquitetados)

Ela agora se vê agindo como uma daquelas pessoas que sempre detestou: que só reclama da vida, pra quem nada está bom, pra quem nada é suficiente, culpando o mundo pela sua total inabilidade de agir com planejamento e modéstia. A ambição de ser grande, verdadeiramente grande - e a consciência de não o ser - amarguram o seu riso, a cada dia mais irônico e sarcástico.

Se ela fosse um personagem, eu faria dela um romance. Se ela fosse outra pessoa, eu faria um discurso cheio de clichês de autoajuda. Tudo talvez se resolvesse se ela fosse outra pessoa que não eu - só eu, na minha esquizofrenia discursiva, na minha megalomania egoísta, na minha covardia impotente.

Olho ao redor e vejo pessoas que sentiram tudo o que sinto, mas não sofrem mais. A diferença entre nós? Maturidade. Experiência nesse tipo de crise existencial, talvez. Desapego. Ou então alguma coisa muito, muito preciosa que faça calar a voz interior que sussurra "você não está feliz".

Habituada a sair vencedora de suas provas de 100 metros rasos, na maratona ela percebe pela primeira vez o mundo que há em volta do caminho - os apoiadores, a vista da cidade, as pessoas que torcem, os que lideram à sua frente e o pelotão que a cerca.
Essa percepção é inteiramente nova, e de alguma forma lhe dá forças para, ainda que lhes doam os pés, ainda que lhe queime o sol, ainda que ela não esteja na frente, continuar. Cada passo é um ato de fé no que há depois da linha de chegada.

Entre a megalomania (meu problema é o maior do mundo!) e a insignificância (sou só mais uma pessoa insatisfeita num mundo de pessoas insatisfeitas), penso que precoce mesmo é essa capacidade de me enxergar, me questionar e desvendar os truques que eu uso pra enganar a mim mesma. É essa consciência de quem eu sou - e de quem não sou - que não me deixa fugir do desassossego que essas linhas encerram. E é pra aguçar essa consciência que me experimento a mim mesma nessas linhas.

E assim, por hoje, valeu a pena correr.

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