(Em que abro um parêntese)
>> quarta-feira, 28 de abril de 2010
Apanhei uma página solta do diário dela que brincava com o vento antes de ser agarrada por minhas curiosas mãos. Ela dizia:
Apanhei uma página solta do diário dela que brincava com o vento antes de ser agarrada por minhas curiosas mãos. Ela dizia:
Mulheres safadas morrem.
Bem, pelo menos na Literatura é isso que costuma acontecer.
Adúltera? Prostituta? Não importa se ao longo do romance elas ficaram boazinhas, arrependidas ou encontraram o verdadeiro amor. Elas morrem. Vide Lúcia (Lucíola, José de Alencar), Amélia (O crime do Padre Amaro, Eça de Queirós), Luísa, (Primo Basílo, Eça de Queirós) Capitu (Dom Casmurro, Machado de Assis), Madame Bovary, (Idem, Gustave Flaubert), Margueritte (A Dama das Camélias, Alexandre Dumas Filho), Anna Karenina (Idem, Tolstoy), pra citar alguns exemplos.
Todas essas mulheres hoje são vistas pelos leitores como mulheres fortes e destemidas que enfrentaram a sociedade em nome de um grande amor, mulheres que são símbolo de que o Amor transforma e pelo qual vale a pena até morrer. Mas muitas delas foram idealizadas por seus autores como forma de crítica a essas mulheres depravadas que saem do aconchego do seu lar, onde tem um marido que bondoso, que coloca comida dentro de casa pela primeira aventura romântica que veem pela frente! Por AMOR! Ora, vejam só, o absurdo!
É por isso que elas tem que morrer. Você quer viver um grande amor? Quer largar a vida de dona de casa ou a de prostituta por um homem que te ama? Ok. Se joga! E morra, que é pra não dar mal exemplo pra leitora-classe-média-burguesinha-que-lê-romances-enquanto-o-marido-está-com-outra.
Mas, a despeito da tese sustentada pelos seus autores, algumas dessas personagens são, hoje, heroinas, mulheres a serem estudadas por nós letristas que vivemos de estudar personagens. Algumas mais nobres, outras mais bobinhas, todas com característica que encontramos nas mulheres de carne e osso, na senhorita que agora me lê. A indicação Literária de hoje é de Primo Basílio (Mas se não puder ler, pelo menos veja o filme!)
Eu defendo a tese de que existem entre nós muitas mulheres-Luisa - a protagonista do romance - e eu mesma já tive minha fase Luísa na vida. (ok, eu sou estranha por comparar as fases da minha vida com personagens literários?). Mas disso eu falo no próximo post. Por ora, fiquemos com uma das passagens mais gostosas do livro:
"... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! "
Sim, é exatamente isso que o Nando Reis Arnaldo Antunes recita em "Amor I Love You:
*
11/04/2001, em uma classe qualquer de 6ª série.
“11 anos de idade e ainda não consigo ser minimamente popular na escola – ou em qualquer lugar. É o fim do mundo! Chega!”
Foi com esse pensamento seguido de decisão que Bianca se aproximou da rodinha da May, abelha-rainha da turma, e escutou a conversa:
- Você está gostando dele, amiga?
- Ah, não sei, Jô! Acho que sim... Ele é gatinho, né? Só tenho que fazer ele saber que eu tô a fim dele! Você podia falar com os meninos e...
- Nem começa, May! Eu nem falo direito com os amigos do Dudu e...
Bianca não teve dúvidas, aquela era a sua chance! Seu caminho rumo ao reconhecimento e à popularidade começava a ser trilhado. Os anos que passara cultivando a amizade dos meninos – e sendo vista por eles como um – serviriam para alguma coisa. Não hesitou em entrar na conversa. “Oi, meninas!", disse, com naturalidade ensaiada na frente do espelho - Vocês estão falando do Dudu? O Carlos Eduardo da sétima? Eu sou amiga dele!
Passados o estranhamento que aquela intromissão repentina da nerd na conversa causou e o pensamento “ela é amiga de um menino?”, May e Jô continuaram a conversa como se aquela fosse uma situação normal. Depois de verificado que a intrometida poderia, afinal, ser útil, terminaram a conversa como amigas de infância, com tudo combinado para que Bianca falasse com o Dudu no dia seguinte.
E foi com dedicação que o fez, destacando as qualidades da agora sua amiga May, que tinha olhos verde-mel, longos cabelos cacheados e uma voz anasalada que o seu talento para descrições fez parecer sexy. Tudo ia bem. Bianca agora não ficava folheando livros didáticos nos intervalos, mas desfilava de braço dado com May e as meninas.
O encontro entre May e Dudu atrás da caixa d’água já estava combinado, e Bianca nem se lembrava mais da última vez que fora chamada de Bianca, pois suas novas amigas a chamavam carinhosamente de Bia, quando a inocente desconfiança infanto-juvenil colocou uma pulga atrás da orelha de Jô.
Um dia, sem entender por que Bia ainda falava com Dudu mesmo depois de ter terminado o seu trabalho como cupido, Jô só pode chegar a uma conclusão: ela estava apaixonada por ele! É claro! Uma nerd, andando com as populares, começou a ser reparada na escola, pensou que pudesse ser igual a elas e achou, tadinha, que pudesse concorrer com a May e roubar o Dudu! Como as meninas não viram isso antes? Como o Dudu não viu que ela estava se passando por amiga dele pra dar o bote a qualquer momento?
No dia seguinte, Bianca reparou que as coisas haviam mudado – ou melhor, voltado a ser como eram antes. Chegou na classe e ninguém havia guardado o seu lugar perto das meninas, na hora do intervalo, as meninas não a esperaram pra comprar o lanche, ninguém a convidou pra jogar Banco Imobiliário depois das aulas. Nem pode ir andando pra casa com o Dudu, como sempre fazia, por que a Jô – que antes não falava com meninos – antecipou o encontro dele e da May atrás da caixa d’água pr'aquele dia.
Agora não só era ignorada, como era ignorada intencionalmente.
Estava sozinha de novo e a sua primeira experiência como Conselheira Amorosa foi um fracasso.
*
"Bem... Não sei explicar. Quando gosto imenso de uma pessoa, nunca digo a ninguém o seu nome. Seria como que entregar uma parte dela. Habituei-me a manter o segredo. Parece ser a única coisa que nos pode tornar a vida moderna misteriosa, ou maravilhosa. A coisa mais banal adquire encanto simplesmente quando não revelada. Quando me ausento da cidade, nunca digo aos da casa para onde vou. Perdia todo o prazer, se o fizesse. É um hábito tolo, confesso, mas, de certo modo, traz algum romantismo à nosa vida. Você deve achar tudo isto um disparate."
Fechou o livro de repente e apertou os olhos com toda a força que tinha. Não era possível! Alguém que nasceu há muitos anos havia estado dentro da sua cabeça, lera seus pensamentos e os escrevera como se fossem criação sua! Ladrão! Como ele conseguiu? Todas as dúvidas, as grandes ideias, as angústias e curiosidades dela estavam ali, reunidas naquele monte de letrinhas, escritas por um completo estranho, de outro Tempo, outro lugar, e ele nem era menina! Como ele sabia? E como podia explicar tudo tão bem, com tanta beleza? Mágico, era o que ele era! E ela, espectadora encantada, deslumbrada, apaixonava-se mais e mais por si mesma a cada vez que se via nas palavras daquele estranho.
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