Eu, Catequista

>> quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O próximo sábado, 31 de agosto, será meu último dia como catequista da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos, no Gama. Será minha primeira despedida.

***

A pequena Bruna foi batizada quando criança na igreja católica, por seus pais. Aprendeu em casa o pai nosso e ave maria, mas não recebeu uma criação religiosa específica. Desde muito nova, sentia que fazia parte de um mundo invisível, místico, mágico. Mal sabia, mas já ali recusava o materialismo terreno por uma noção mais ampla de transcendência. Na adolescência, veio a vontade de dar a essa transcendência forma e doutrina. E também de fazer da religião uma atividade de integração social, como acontecia com os seus amigos da época. 

Assim, eu participei de encontros, gincanas, cultos e todo tipo de evento das mais diversas igrejas e congregações: Igreja Batista, Assembleia de Deus, Centro Kardecista, Centro de Umbanda, Coven Wicca, e os mais diversos dentro da igreja católica.

Minha fé seguia de acordo com o sopro das amizades e das paixonites adolescentes. Antes de me decidir pelo catolicismo, flertei bastante com o culto da moda: o Wicca (relevem, o ano era 2003!), que tinha mais sensivelmente o apelo que sempre me atraiu nas religiões: algo de mágico, místico, sobrenatural, de fazer com que eu me sentisse especial e poderosa (pre-para!). 

Mas em 2004 participei de um retiro de carnaval que me apresentou a algo verdadeiramente mágico, transcendental e poderoso, mas que eu ainda não tinha: a fé. 
Até hoje, quando parece que nesse mundo não há nada além do que podemos ver, tocar e perceber superficialmente com nossos sentidos, evoco a lembrança de um momento especial daquele carnaval, que me provou de uma vez por todas que há algo mais.

Então, a fim de fazer essa coisa de ser católico direito, com 14 anos entrei na catequese da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, para poder fazer minha primeira comunhão. Celebrei com 16 anos, e nos dois anos seguintes me preparei para a Crisma, que celebrei com 18. Dos 16 aos 20 participei também do Segue-me, que me deu a exata noção de que a maior forma de amor do cristão se manifesta pelo serviço.

nadinha!
Fiquei, então, pelo menos uns cinco anos "me formando" como católica. Mesmo participando das atividades da igreja, com uns quinze anos eu saía de casa batendo porta, gritando com mãe e irmãos. Ouvi da minha mãe - que não pratica nenhuma religião - muitas vezes, enquanto batia a porta atrás de mim: "De que adianta você ir pra igreja, se continua do mesmo jeito?"

Pois bem, de que adiantava? De nada. De que adiantava dormir e acordar na igreja se eu continuava sendo arrogante, impaciente, egoísta?

Fui aprender, então, o real significado da palavra conversão. E quando finalmente o aprendi, decidi que parte da minha missão era passar isso pra frente. 2009 foi meu primeiro ano como catequista. Eram crianças de 8 a 10 anos que se preparavam comigo e minha parceira pra primeira eucaristia. Meus pequenos celebraram em 2010 e no ano seguinte eu assumi, também com uma parceira, uma turma de crisma, crianças de 14 a 16 anos. 

Neste ano, 2013, assumi sozinha uma turma de Perseverança, que é um tipo de turma na qual as crianças que concluíram a primeira eucaristia esperam ter idade para começar a preparação pra crisma. Ou seja, uma turma que não te prepara pra sacramento nenhum, e que, em tese, não tem objetivo a não fazer passar o tempo.

Não com a Tia Bruna, rs. Assumi o compromisso de fazer com que nossos encontros fossem produtivos em si mesmos, ainda que não tivessem nenhum dos Sacramentos como objetivo final.

fluxograma do filho pródigo
Ao contrário do que se possa pensar, durante os encontros, eu não fico amedrontando as crianças com o fogo eterno do inferno. Nem ensinando se é certo ou errado ser gay, divorciado, evangélico, umbandista, pai ou mãe solteiro ou transar antes do casamento.

Porque catequese não é isso - e o catequista que faz isso, digo com confiança, está muito longe de cumprir sua missão de evangelizar. Está sendo hipócrita, fariseu, e usando o discurso religioso pra propagar preconceito e afirmar algum tipo de poder.

O que eu tento passar pras minhas crianças é algo muito mais profundo, abrangente e difícil: a noção do amor cristão. Tenho que trabalhar com meus meninos a construção de valores cristãos, valores que eles não trazem mais de casa, da escola, da internet, de lugar nenhum. 

Em casa, meu menino aprendeu do pai que se ele voltar pra casa "apanhado", ele apanha de novo. Na catequese, ensino que não devemos revidar as agressões que nos são feitas. Em casa, minha menina aprende da mãe que mulher de roupa curta é piranha, e que piranhas são pessoas desprezíveis. Na catequese, ensino que todas as pessoas têm valor, que Cristo olhou com carinho para todos os "desprezíveis" de sua época, que não devemos julgar nossos irmãos pelo modo com que se apresentam.

Em casa, meus meninos aprendem que não se leva desaforo pra casa, que bandido tem que morrer, que devemos ser bons com quem for bom com eles, que eles precisam "ser" alguém na vida, que dinheiro é mais importante do que tempo com a família, que amor se troca por coisas.

Na catequese, ensino que devemos perdoar setenta vezes sete, que devemos juntar tesouros no céu e não na terra, que aquele que quiser ser o primeiro entre todos deve se fazer o menor servo, que bem aventurados são os pobres, os humildes, os mansos de coração.

Nesses cinco anos, tive altos e baixos na minha fé, na minha proximidade com Deus, na minha força para seguir seus mandamentos e os da igreja católica. Mas a cada sábado, durante as duas horas em que eu estava com as crianças, me sentia mais íntima, confiante e forte do que nunca. Se ensinar é um gesto de amor, catequizar é o gesto de serviço e desprendimento que faz com que esse amor seja multiplicado e duradouro. 

Não me sinto hipócrita por ensinar algo que não pratico - porque eu não faço isso. Ensino que se deve dar atenção dando atenção, que se deve ter respeito dando respeito, que se deve ter paciência tendo paciência, que não se deve julgar não julgando, que se deve rezar rezando, que se deve perdoar perdoando. E que é normal cometer erros, e que eles não são motivo de vergonha ou culpa, mas uma oportunidade de se aproximar mais de Deus pela sua infinita misericórdia.

Jogando queimada com as crianças - cadê a catequista?
Ser catequista me faz ser uma cristã melhor, uma pessoa melhor. Me faz ter contato direto com a juventude da minha comunidade, com o que eles ouvem, assistem, jogam, brincam, aprendem na escola. Impede que eu perca a proximidade com o lugar de onde eu vim e onde me criei. Me faz ver que meu trabalho na vida de cada criança faz diferença. Que elas crescem, amadurecem e aprendem através do meu amor, da minha atenção e da minha dedicação. E isso, amigos, nada mais é do que a definição de realização pessoal.

***






Estou me mudando para Portugal e deixando minha turma, minha paróquia, minha comunidade. Minha despedida será feita colocando em prática o que a gente tenta aprender dentro da igreja. Faremos uma visita à Casa do Menino Jesus, uma instituição no Gama que dá apoio a crianças pobres de regiões afastadas dos centros que vêm fazer tratamento de alguma doença crônica nos hospitais de Brasília, e às suas mães. 

Não vou levar meus meninos lá pra dar um "choque de realidade" e dizer "olha como suas vidas são ótimas perto das vidas dessas pobres criancinhas doentes". Não. Vamos levar companhia, teatro, olhares, atenção, abraços, sorrisos. Vamos criar pontes entre crianças, mostrando que elas são mais parecidas do que diferentes e que suas diferenças não necessariamente devem afastá-las. 

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Será minha despedida, será dia dia de festa, dia de transbordar de amor e de mostrar muita gratidão por tudo o que o "ser catequista" fez por mim. 

Será um dia feliz, que antecederá muitos dias de amorosa saudade.




[Para ajudar a Casa do Menino Jesus também, clique aqui]



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