pisca-baile-pisca-seta

>> quinta-feira, 5 de maio de 2011

Outro dia ouvi numa rodinha de não-brasilienses que comentavam a sua (falta de) adaptação à cidade:
- Uma das coisas chatas de dirigir em Brasília é que você tem que dar seta e esperar um tempão antes de entrar, como se tivesse pedindo licença pra usar a rua. Em outras cidades isso não acontece: piscou, entrou.

Eu já tinha em mente minha teoria sobre o grande baile de setas que é o nosso trânsito, mas não vira isso como defeito. Até agora. Ah, esses forasteiros...

***

Nas nossas largas e espaçosas vias, reina a paz e a harmonia até que um motorista distraído se dá conta de que precisa fazer a próxima curva. 
O desafio é atravessar as seis faixas em poucos metros. Sabe que não pode simplesmente dar seta e sair fechando os outros carros – que falta de educação!, ouviria buzinas e um grito dizendo “goiaaaaano!” atrás de si, duas coisas que ofenderiam profundamente seu orgulho brasiliense. Precisa então, dar início a um cortejo, um flerte com os outros carros, que envolve dissimulação e dominação. Puro fetiche.
Primeiro, diminui sua velocidade, mostrando humildemente que não deveria estar ali, logo não pode nem deve avançar – seu lugar é do outro lado da via. Depois, pisca.
"Oi-pisca-me-deixa-pisca-entrar-pisca-por-favor-pisca."
Seu movimento está feito, agora é hora de esperar o carro cortejado dar um sinal de “sim, pode passar”, ou de “não, colega, agora é tarde”.
Na feliz primeira hipótese, o segundo carro também reduz, e o carro-seta entra/penetra/se introduz (insira a palavra com conotação sexual de sua preferência, afinal você já percebeu onde isso vai dar) no espaço deixado pelo outro, com gratidão – naquele momento uma cumplicidade foi selada entre dois aqueles veículos desconhecidos, uma intimidade entre dois carros, atraídos pelo brilho intermitente da seta.
Intimidade que logo se encerra, pois o carro-seta precisa ainda conquistar quatro ou cinco faixas, usando da mesma estratégia humilde e sedutora - promíscuo!
Se o carro cortejado fica na defensiva, sente seu espaço ameaçado, em vez de reduzir, acelera, como quem grita “Comigo não, safado, já conheço seus truques! Você vem, entra/penetra/se introduz aqui e depois vai atrás de outro!” e vai-se embora satisfeito por não ter cedido ao charme de uma seta leviana.

Mas nem tudo está perdido. Brasília é o salão perfeito pra esses bailes que se repetem em cada horário de pico no nosso trânsito: se esse apressadinho escapou, você pode tentar de novo, e de novo, sem se preocupar em ficar muito longe daquela curva que iniciou sua dança. O próximo retorno fica a 100 metros.

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